sábado, 16 de janeiro de 2010

Povo mágico, povo de mágicos

Os siameses pelam-se por astrologia, quirologia, adivinhação, magia, numerologia, nigromância e espiritismo. São, sem tirar, iguais aos gregos e romanos da Antiguidade, pois a cepa comum indo-ariana plasmada pelo sânscrito - essa língua universal do conhecimento isotérico - criou uma comum visão do mundo que cobriu um largo arco geográfico que ia do Sudeste-Asiático ao Tibre e só foi destruída pelo advento do cristianismo. Os thais são, assim, um "povo antigo", com um "conhecimento antigo" no qual não há fronteiras claras entre o racional e o irracional, o sagrado e o profano, o temporal e o espiritual, o mundo dos deuses e o mundo dos homens. Tudo para eles é entendido como manifestação de poderes imanentes que não podem ser contrariados, mas apenas atenuados pela elevação espiritual de cada um. Ao contrário do que deste entendimento da vida escreveram duas ou três gerações de positivistas europeus, o conhecimento oculto não é fonte de alienação, mas segurança, não gera o fatalismo, mas fortalece os indivíduos nas afições, não semeia o desespero, mas alimenta a esperança. Quando confrontados com grandes desastres, os thais lançam mão de todos os recursos, falam com todos os deuses, franqueiam todos os templos - budistas, protestantes, católicos, jainistas, hindús - e pedem ajuda. A lógica parece ser: quantos mais deuses tiver do meu lado, mais facilmente poderei sair desta aflição. Este ecletismo e sincretismo religiosos são bem patentes. As pessoas trazem consigo, pendendo no peito, amuletos pré-budistas, imagens do Buda e crucifixos. Depois, tatuam-se com fórmulas propiciatórias que outrora se dizia permitirem imunidade contra os espíritos malignos e facultavam ora a invisibilidade, ora repeliam as armas dos inimigos.

Um dos filões mais produtivos da indústria cinematográfica local é, como não poderia deixar de ser, as fitas sobre Pí (espíritos) e o tema de conversa mais apetecido, para além da comida, são questões de natureza religiosa. As pessoas lêem avidamente, tal como no Ocidente medieval acontecia, textos edificantes: vidas de monges, jatakas do Buda - vidas anteriores do Iluminado - experiências de meditação nos "templos da floresta", sonhos e até viagens ao mundo do além.


Um dos fascínios dos thais é a magia. A patetice de alguns europeus interpreta este fascínio como demonstração de infantilidade. Como povo lúdico, os thais encontram na magia um divertido jogo de fintar as "leis naturais", ludibriar os sentidos, brincar com as certezas de cada um. Porém, mais profundo que o inocente divertimento, demonstra-se a Annica (ou impermanência), que é uma das grandes certezas do budismo. Tudo está em mudança e até as leis naturais podem ser contrariadas. Escandalizavam-se os missionários católicos franceses com o Rei Taksin (1767-1782) quando este lhes afirmava que se havia finalmente libertado das leis da atracção e que podia voar.
Em Banguecoque há centenas de bancas de magia. Vai-se ao astrólogo, ao vidente, ao intérprete de sonhos como se vai ao médico. Ali correm milhões dos bolsos aflitos, mas também correm milhões pela atracção pelo desconhecido. Recentemente, a magia também se colocou ao serviço dos turistas. Com um grande sorriso, os mágicos oferecem nas ruas sessões de magia ao alcance de qualquer um e, terminada a exibição, vendem os produtos e os segredos de mágica aos farangues (estrangeiros brancos). O mágico da foto realizou a proeza de vender em cinco minutos 50 Euro de produtos a três europeus extasiados. É o caminho das estrelas.

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