terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Portugueses com canhões de Waterloo fazendo guerra no Laos


Encontrei hoje relevante documentação tailandesa sobre a participação do Corpo de Artilheiros e Engenheiros Portugueses na cataclísmica guerra que os siameses moveram contra o Principado de Lan Chang (actual Laos) entre 1827 e 1828. Já tinha localizado algumas referências nas Lettres de Bangkok, do Padre Bruguière das Missions Étrangères, publicadas nos Annalles de l'Association de la Propagation de la Foi, mas documentos de arquivo do Palácio Real atestando a importância militar dos "soldados cristãos" permitem-nos dar um passo em frente na avaliação da importância que os luso-siameses tiveram nos exércitos siameses até ao terceiro quartel do século XIX. É outra página sobre a História Desconhecida dos portugueses na Ásia que se abre.
Ora, esses portugueses vivendo perto da Igreja da Conceição eram nada mais que o corpo de elite do exército. Não era, pois, nem gente sem preparação - para se ser artilheiro ou engenheiro militar é necessário saber-se matemática e balística - nem simples peões. Viviam separados da restante população, detinham foros e liberdades que os isentavam de trabalho braçal nas corveias reais e sabiam línguas (latim, português e inglês). Quando aqui vieram as primeiras missões diplomáticas britânicas, respectivamente nos reinados de Rama II e Rama III, a Grã-Bretanha dispôs-se modernizar os exércitos de Banguecoque mercê do fornecimento de armas ligeiras de fogo e, depois, peças de artilharia. O Sião foi, nas palavras do Phra Khlang (Ministro para os contactos externos) "inundado de armas pelos britânicos". Os siameses, contudo, delas não sabiam fazer uso adequado, pelo que os conselheiros britânicos investiram fortemente na formação tecnológica da minoria católica luso-siamesa. Com canhões que haviam servido Wellington em Waterloo, estes artilheiros aplicaram pela primeira vez no Sudeste Asiático a tecnologia de fogos concentrados, devastadores sobre exércitos que de tais armas não tinham, sequer, conhecimento. A guerra foi brutal. O Príncipe de Vientiane, Chao Anou, um homem de grande carisma, pensara poder unir os principados Laos e denunciar a vassalidade que o obrigava a enviar tributo anual a Banguecoque. Confiante, deixou de enviar o bunga mas aos siameses, sondou os britânicos para lhes solicitar protecção e iniciou a rebelião, invadindo território siamês, chegando às cercanias de Banguecoque. No momento derradeiro, o Corpo de Artilheiros Portugueses fulminou a investida. A retaliação siamesa foi brutal. Lan Chang foi riscada do mapa, a sua capital destruída até às fundações e a população, por inteiro, transferida para aquilo que é hoje o Issan, no leste da Tailândia.
Nessa primeira guerra moderna, coube aos portugueses a parte de leão. Integrados no Primeiro Exército Siamês no teatro de operações, forte de 85.000 homens e comandado pelo Segundo Rei, tinham por camaradas de armas outra minoria étnica cristã com sobejas provas de habilidade castrense: os japoneses católicos que haviam sobrevivido à tomada e saque de Ayuthia pelos birmaneses em 1767. Deixaram um rasto de destruição tal que, em 1880, os franceses ainda recolhiam memórias da "grande guerra" entre os anciãos laocianos. No fim, Chao Anou foi trazido cativo para Banguecoque, torturado e morto.
O importante disto reside no facto de não se tratar de acontecimentos do século XVI ou XVII. Trata-se de história contemporânea. Infelizmente, em Portugal, só se estuda a Ásia que os portugueses conheceram no tempo de Mendes Pinto e Camões. Uma pena, pois mal sabemos avaliar a importância que nestas paragens tivemos até há bem pouco tempo. A receita, então, é: investigar, investigar, investigar.

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