sexta-feira, 27 de março de 2009

Vasconcelos de Saldanha triunfa em Banguecoque / การประชุมที่สยามสมาคมในพระบรมราชูปถัมภ์เกี่ยวกับคนโปรตุเกสในสมัยอยุธยา


Confesso que não tenho o costume de gabar os amigos, de me exceder em adjectivos a respeito de pessoas cujos predicados os dispensam e muito menos recorrer a panegíricos. As pessoas de excepção deles não precisam. Contudo, ocasiões há em que se nos impõe lembrar que tais qualidades, mais que atributos singulares, enriquecem-nos enquanto comunidade, servem o país e até têm o secreto dom de fazer crer aos estrangeiros que Portugal ainda é, como o foi no passado, uma grande nação. Tenho desde há anos pelo Professor António Vasconcelos de Saldanha uma grande admiração. Pela obra, imensa, profunda, diversa e sempre esmerada na forma e na exaustividade do aparato documental que a serve, posiciona-se iniludivelmente como um dos homens de cultura mais destacados da vida académica portuguesa. Pelo profundo conhecimento da presença portuguesa no Oriente, da Índia à China e ao Japão, tem aberto novas fronteiras e linhas de compreensão na interpretação dos factos, modos, homens e instituições que por aqui deixaram os nossos antepassados entre o século XVI e o século XIX. Pela rara capacidade de confrontar a massa documental portuguesa - que conhece como os dedos da sua mão - com a bibliografia antiga e fontes documentais que vai colhendo em França, no Vaticano, na Grã-Bretanha e Holanda, às quais acrescenta impressionante conhecimento de tudo o que de revelante se vai publicando fora de fronteiras, é um historiador de grande fôlego e criatividade.

Hoje fui ouvi-lo discorrer sobre a presença portuguesa no Sião. No auditório da Siam Society, a mais prestigiada instituição cultural da Tailândia, falou durante hora e meia sobre a génese e organização do bandel de Ayuthia, do "império sombra" das comunidades portuguesas luso-asiáticas fora do espaço administrativo da Coroa Portuguesa, da missionação que jesuítas, dominicanos e franciscanos aqui desenvolveram, da relevância que os católicos luso-descendentes tiveram na Birmânia, Sião, Camboja e Vietname, da ideia portuguesa de fraternidade universal. Um discurso fluente, cativante e vibrante - naquela linha que José Adelino Maltez crismou de "patriotismo científico" - e não deixou indiferente os assistentes, na sua grande maioria especialistas em temas relacionados com o Sudeste-Asiático. Entre a assistência, que encheu por completo o local, consegui identificar muitos professores universitários (italianos, franceses, holandeses, norte-americanos, indianos e tailandeses), quadros superiores dirigentes dos ministérios da cultura e dos negócios estrangeiros, bem como os embaixadores de Portugal, da Índia e Timor-Leste.



O dia não se proporcionva a tal enchente: pela hora tardia da sessão, pelo facto de hoje se inaugurar a Feira do Livro de Banguecoque, pelo calor sufocante que mais convidava ao conforto dos lares. Tenho assistido com regularidade a eventos promovidos pela Siam Society, mas a conferência de hoje excedeu em número e discussão todas as que até hoje tinha presenciado. Destinada a não ultrapassar meia hora, acabou por se prolongar até à noite sem que um só assistente se levantasse para abandonar a sala. Saldanha trouxe novidades que prenderam os interessados: demonstrou que os portugueses de Ayuthia constituiam uma das mais numerosas comunidades da antiga capital do Sião, que serviam com a mesma lealdade o rei do Sião e a Coroa Portuguesa, que Portugal mantinha paridade absoluta nas relações com este Estado, que a Holanda e a Inglaterra eram apenas vistos como parceiros comerciais, enquanto Portugal desnvolvia todas as características daquilo que hoje se entende como relações Estado-a-Estado, que a França de Luís XIV jogou e perdeu ao pretender expulsar Portugal do Sião, que o mito da conversão do rei do Sião ao catolicismo, mais que um lamentável imbróglio que terminou em tragédia, era há muito desaconselhado pelos Jesuítas, grandes conhecedores da região. Foi tudo provado, peça a peça, com mapas, manuscritos, referência a protagonistas e acontecimentos. Na meia hora de perguntas que a direcção da Siam Society disponibilizou, Saldanha teve ainda a oportunidade de tornar clara a rede de relações que então existia entre as comunidades católicas luso-asiáticas da região, da relevância dos postos administrativos e militares que estes portugueses ocupavam, do monopólio que detinham enquanto fabricantes de armas de fogo e artilharia, intérpretes, escrivães e soldados.


Ao terminar o acto, foi com surpresa que verifiquei que os presentes, em vez de sairem, se dirigiram ao orador para lhe prestarem as mais cordiais saudações, coisa rara na Ásia, pois a inibição e timidez aqui são características reinantes. Foram pedidos de esclarecimento, referências à ancestralidade do sangue português que lhes corre nas veias, pedidos para que volte e desenvolva temas quase desconhecidos e inacessíveis para a maioria dos investigadores, dado a língua portuguesa continuar a ser obstáculo ao conhecimento das nossas fontes. Antes de terminar o acto, a direcção da Siam Society pediu ao Embaixador de Portugal, António de Faria e Maya, que entregasse ao Professor Saldanha o penhor de agradecimento por tão brilhante conferência. Faria e Maya assinalou os méritos do académico conferencista e confessou ter sido este um dia muito importante na abertura do ciclo de comemorações que em 2011 assinalarão os quinhentos anos das relações entre a Tailândia e Portugal. Afirmou o nosso Embaixador a sua profunda comoção e orgulho em ser o representante em Banguecoque de uma nação europeia e ter escutado hoje tão grande lição de um académico que a todos nos orgulha.


Vasconcelos de Saldanha não veio apenas para proferir a conferência. Volta a Lisboa com um precioso acordo de cooperação científica assinado entre a Universidade Técnica de Lisboa, onde é professor, e uma das maiores universidades do mundo, a Universidade de Chulalongkorn de Banguecoque. No decurso da sua breve passagem pela Tailândia, teve também a oportunidade de se encontrar com docentes franceses que leccionam nas universidades de Thammasat e Belas Artes, com os quais travou interessante diálogo sobre a eventual cooperação entre historiadores portugueses e franceses na realização de iniciativas que visem proporcionar estudos sobre a história das missões católicas no Antigo Sião. Há quarenta anos que a Siam Society não tinha como orador um académico português. António Vasconcelos de Saldanha deu por terminado o silêncio português na vida cultural tailandesa. Hoje, ao sair, senti no ar aquela vibração de triunfo que durante muitos séculos acompanhou a passagem das quinas pela Ásia imensa. Hoje senti-me em casa.