sábado, 26 de dezembro de 2009

Campos de papel

Para quem já fez trabalho de investigação em História sabe do entusiasmo, das viagens e aventuras solitárias que se podem fazer dentro de casa, no silêncio do estudo. Contudo, a redacção de qualquer livrinho, por mais insignificante, envolve milhares de horas, resmas de fotocópias, centos de fichas anotadas, retocadas, corrigidas ou rasuradas de cima a baixo. Depois, há os livros comprados ou requisitados em bibliotecas, as obras de referência lidas e comentadas em glosas laterais, mais as fotos tiradas nos arquivos, os documentos em microfilme, as transcrições parciais de processos, os relatórios; um mar de papel que vai tomando conta de tudo, trepando pelas paredes, ocupando mesas, engrossando pastas. A aldeia de papel acaba por nos ocupar a casa.

Deitei-me às seis da manhã, já o sol brilhava. Foram dezoito horas de arrumação, concatenação de séries documentais, indexação e ordenamento cronológico das duas mil páginas de notas realizadas ao longo de dois anos. Foram duzentos e trinta e quatro livros, trezentos e setenta e dois documentos de arquivo, oitenta imagens e quarenta mapas. O tema que aqui me trouxe - as relações entre o Sião e Portugal (1782-1939) - queimou-me a vista. Dizia-se à boca cheia que tudo estava esgotado, que a documentação sobre o assunto fora há muito localizada. Ora, em Ciências Humanas, como em qualquer outra, não há temas esgotados. Encontrei nestes últimos meses vinte vezes mais documentação que aquela a que me habituara nos tais textos obrigatórios. Em Lisboa, em Banguecoque, em Macau e Phnom Penh, milhares de páginas aguardavam quem as lesse, as interpretasse e voltasse a dar vida.
Sei que para muitos tudo isto é coisa pequena, pois a opinião é inimiga figadal do estudo, o improviso irreconciliável adversário do método. O trabalho científico parte de suposições e corrige-se empiricamente no processo de acareação de fontes. Agora que se aproxima o início da redacção do tal livrinho que prometo para 2011, um imprevisto: descobri mais umas centenas de documentos de arquivo onde menos eseprava: na arrecadação de uma Secretaria de Estado. Retomar o trabalho, rever as incongruências, comparar notas feitas. Os campos de papel a que me submeti pedem mais trabalho !

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Portuguese in Cambodia


Among with other documentation that I was able to locate in the National Archives of Cambodia, I found the complete files of employees of the Crown and servants of the French Resident Superieur. Records with marginal notes, correspondence, requests of information, promotions and punishments, rewards and penalties express the installation of the modern bureaucracy and the transition of an Asian patrimonial State to Modern Western State. Among dozens of files identified, stood out the the mixed Portuguese-Khmer who lived in the country since the Sixteenth century, there remained influential until the arrival of Pol Pot to power. There are generations of Monteiro's, Canto's and Albergaria's occupying positions of importance in the palatine administration and provincial offices, some clerks (translators and secretaries) others military officers, diplomats and even ministers. They were well-connected men, as evidenced by the letters of reference, with direct access to the King and the French resident, but also to the high-ranking Catholic representatives and, even, solid friendships in Macau, Singapore and France. It was a minority that nothing else could do than working for the Administration. As you read more carefully the report of Sir John Bowring - British governor of Hong Kong and plenipotentiary minister to negotiate a treaty with Siam (1855) - published in 1857 (The Kingdom and People of Siam), I found references to "Protuguet" working in the Court, like their Portuguese-Khmer brothers. Among them, Pascoal Ribeiro de Albergaria, quoted by all the diplomatic missions since the 1820s. He was a general of artillery, had a long and prosperous career, and everything indicates he was also master of court ceremonies. His body was buried in a Catholic cemetery in Bangkok located in Ban called Khmer (Khmer village). I asked one of his descendants, now senior officer working for Thai Foreign Office if he knew something about of his illustrious ancestor, but he gave me no satisfactory answer. By late afternoon yesterday, when I got home, I had a strange intuition, of those who violate the laws of rationality. If Albergaria's tomb is near Ban Khmer - might have something to do with the Khmer Portuguese came to Bangkok in one of the three waves of fleeing Cambodians arrived here between the late Eighteenth and early Nineteenth century. However, by chance, in the writings of a British diplomat who came to Bangkok in the 1820s, I found the link: Albergaria was descendant from Cambodians and his family established in Oudong - and then Phnom Penh - since end of 17th Century. He was grandson of a Portuguese man and a Anglo-Malaysian "half caste" lady named Lister, converted by marriage to the Catholic faith. The British envoys, always schown hight respect for him. Was said to be a handsome, highly intelligent and communicative person, much appreciated by the Siamese king and high ranked siamese officials under Rama III and Rama IV reigns. Pascoal was able to speak Siamese, Khmer, English, Portuguese and Latin languages, qualifications that provided him with an indispensable place in contacts with traders and diplomats who visited the kingdom. Next time when I visit his descendants, will bring them the good news. Now, in addition to Siamese and Portuguese ancestors, they will know that are also partially English and Khmer. The Albergarias were not the kind of adventurous "Portuguese in the wild" nor "people of bandel" those semi-literate and rude but fascinating men who settled a bit everywhere from India to Timor. These were literate and, by family name, belong to a small Portuguese nobility that left Europe in search of a new life.

domingo, 20 de dezembro de 2009

The enigmatic flag of Mindon


I had seen the flag played in old British prints of the Nineteenth Century, but I confess do not have aroused curiosity, thinking to lag behind the creative freedom of illustrators. Some days ago I have found it in a book of memories of the last British military campaign in northern Burma (1885) : a picuture of banners captured in the days before the fall of Mandalay, the last home of the Konbaung dynasty. There is it, the enigmatic flag, on the floor with other trophies: a black cross on a red field.

That was certainly not the flag of the kings of the dynasty, but a military standard. Could have only to do with the existence of Christians in the ranks of Mindon's and Thibaw's armies. Today, while browsing the best website dedicated to vexicology, found it with the following footnote: "The flag shown here is the banner of the royal gunners, who were mainly Christian Portuguese descendants." Then simply compare it with the flag of the Franciscan Order and there was no confusion: the same symbol. As the Franciscans were the first Portuguese to settle in Burma (1600), that flag was, (could only be) wielded by Portuguese Catholics. The portuguese-burmese gunners and sappers had long and respected career under Taungoo and Konbaung dynasties and fought against the Siamese, the Malay, the French and the Dutch, to be ravaged by the British armies. In the final days of Mandalay, they were the last defense against the military expedition led by General Prendergast. A puzzle ist to be doing, piece by piece. It is fascinating to watch the progressive definition of the name of Portugal emerging from the puzzle of research. Everything has to do with everything. There is no Siamese record, an ornament, a picture or a simple iconographic detail from Cambodian, Burmese or Malay ducuments which are not related to the presence of Portugal in Southeast Asia. Portugal was still in the Nineteenth century knocking on the door of the Twentieth century, the great reference in this vast region between India and the Middle Kingdom.

domingo, 22 de novembro de 2009

Incêndio na Siam Society

Ontem estive todo o dia deprimido. Pela televisão recebi a tremenda notícia: o edifício da Siam Society fora tragado por um incêndio devastador. Ao longo dos últimos dois anos, a Siam Society foi uma segunda casa. Ali passei milhares de horas naquela que é uma das melhores bibliotecas especializadas em bibliografia e documentação sobre o Sudeste-Asiático e recebi sempre dos funcionários e dirigentes um caloroso acolhimento e apoio. Para minha casa trazia todas as semanas uma ou duas obras requisitadas, livros raros, comprados um pouco por todo o mundo - em espanhol, francês, inglês, italiano, alemão e até português - por esse grupo de animadores e entusiastas do património histórico e cultural siamês que tem mantido a Siam Society desde 1905. A história cultural contemporânea do país cruza-se com a instituição. Ali passaram ao longo de um século os mais autorizados investigadores estrangeiros, ali se reuniram, realizaram palestras e escreveram obra os mais influentes homens de cultura da Tailândia. De repente, num ápice, um fogo propagou-se e ameaçou de morte tanto labor e dedicação.
Recomposto, liguei a uma das dirigentes e ofereci os meus modestos préstimos. Como sou bibliotecário, talvez precisassem do meu contributo. Disseram-me que por lá passasse hoje após o almoço. Fui encontrar o belo edifício ainda fumegante, telhados contorcidos, paredes desfeitas e o jardim transformado num lodaçal pelas mangueiras dos bombeiros. Perante o desastre, revelou-se-me, uma vez mais, a nobreza dos thais. Os funcionários da Siam Society transformaram um alpendre em escritório e ali estavam registando telefonemas, recebendo obras requisitadas, informando os sócios e listando donativos. Esta gente tem um grande coração e uma enorme capacidade para fazer frente a desafios como este. Julgo que é em momentos de adversidade que as pessoas se revelam. Não vi pieguices nem lágrimas. Rostos compenetrados e sérios, palavras mansas mas decididas, projectos por realizar, ideias para o futuro, foi tudo quanto vi e ouvi nesta visita fúnebre aos despojos da Siam Society. Perdeu-se a livraria, os escritórios e toda a documentação ardeu, mais computadores, impressoras, mobiliário, bases de dados, a revista que aguardava lançamento, pinturas e esculturas.
Felizmente, a grande biblioteca, mais a mapoteca, os manuscritos e a hemeroteca sofreram danos leves. O fogo, irracional e caprichoso, escolheu coisas menores. Um frio de regelar, húmido e pestífero das cinzas flutuantes, invade a biblioteca. Sobre milhares de obras caiu um pó negro como um crepe sobre um cadáver. Aquilo que demorou cem anos a fazer quase morreu em vinte minutos. Lembro os dias felizes que ali passei, no conforto da bela sala de leitura, lembro a brilhante conferência que o Professor Vasconcelos de Saldanha ali proferiu em Março passado, o calor dos aplausos e o entusiasmo por ali ressoar o nome da velha aliança que une desde 1511 Portugal ao Sião.
Portugal poderia, na medida das suas possibilidades, oferecer-se para engrossar o número de países e instituições que já exibiram consternação pelo trágico evento. Por mim, estou disposto a trabalhar graciosamente em qualquer projecto.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

The Portuguese minority in Siam


Ayutthaya
1756: Wartime
Some regiments, entirely composed by Christians, were ordered to guard and defend the bastions of Ayutthaya”.

In several attempts the Burmese tried to take the village of San Jose, but were repelled by Christians who, in the words of the mandarins, contrasted with the timidity of the other Siamese troops”.

Among the Christians, some guarded the bastions, others were gunners of the thirty pieces of artillery that protected the capital”.
(Launay, Adrien. Siam et les missionnaires français)

1766: Flock unloved by their shepherds
“Les portugais se refugierent dans ce royaume, lorsque les Hollandais les chasserent de Malaca. Leur pauvreté est extrême, parce quils y vivent dans la pareses & dans la debauche”.
(Abbé de Fontenai. Le voyager François oú la connoissance de l’ancien et du Noveau Monde)

1767: Teaching the art of war to merchants
Werndlij, the foreman of the Dutch VOC hired ten Siamese-Christians and asked them to fortify the Dutch factory and taught [him] to carry and use firearms.
(VOC Archives)

Phuket = Junk Ceylon
1779. Lingua franca
“The Catholic missionaries withdrew from Siam in late 1779. Joseph Coudé resided for some time in Junsalão*, where he met many Christians who welcomed them with joy. I suppose most of these are mixed to the Portuguese".
(Gerini, G.E. Historical retrospect of Junkceylon Island)
* When Captain James Forrest visited Phuket in 1784, was received by Governor of the island (Phraya Phimon) and the local interpreter was a Christian who was able to speak Portuguese language.

Bangkok
1820’s: mobility of the Siamese-Portuguese Catholics.
“[The Annamese inspector] came with an old Portuguese named Joaquim, which was born in Lisbon but never returned to Europe since forty years. He married to a Siamese woman and stated that [Siam] was his own country”.
(White, John (1782-1840). A voyage to Cochinchina)

1822. British diplomats monitored by the Siamese-Portuguese
“Early in the morning, a man dressed like a European sailor arrived saying that was sent from Bangkok to serve as a translator and accompany us to the capital. This man was such a degraded self-estimated but important class of society known in India under the name of The Portuguese, a title that could be played by any negro, any native or half-caste who dress one or two articles of European clothing”.“Our visitor bore all the characteristics of the Siamese, among whom were born. He spoke Portuguese fluently, but an imperfect English. He demanded, on behalf of the Governor of Paknam, that the guns should be landed. Was told him that the Portuguese frigate that preceded not landed its guns. He answered that this happened due to special indulgence of the Court”
(Finlayson. George. Thi Mission to Siam, and Hué the capital of Cochinchina in the years 1821-2)

1824-1911: The Tha Chang Portuguese Volunteers Corps
During the reign of Rama III, the descendants of the Portuguese garrisoned the Tha Chang Habor. One of the Volunteers called Keo Libeiro (=Ribeiro) was appointed by his majesty commander of the artillery and granted with the title of Phrya Visesonkram Ramabhakdi.”
(Bunchua Kirti. The Catholic minority in Thailand: an example of coexistence)

1832-1833. Black Legend: thieves, but working for the King!
“The Christians inhabit a portion of the town near the factory called Santa Cruz, the greater part of which was burned to the ground a short time before my arrival. (…) They are despised both by the Europeans and the Natives, and certainly not without cause for they do not credit to any country which might own them. How the majority of these people can try to live, is impossible to say, but appearances are strongly against the supposition that they earn a subsistence by honest occupation”.“Their communication with Europeans has allowed them to acquire a more extensive degree ok knowledge than the natives, and some of them consequently employed as interpreters and pilots, the captain of the port also belonging to this class”.

“They are to said to be complete adepts to pig-stealing, so much so, that a grunter can be whipped up and carried off without the least noise, and even without the animal itself being perfectly aware of the circumstance”.
(Earl, George. The Eastern Seas or Voyages and Adventures in the Indian Archipelago in 1832-33-34).

1830-18--. Vietnamese Catholics in Conception
“Vietnamese Catholics adapted to life in Siam in a different way that adopted by other immigrant Vietnamese Buddhists. Until recently did not allow their children to get marry to non-Vietnamese.”
(Pool, Peter. The Vietnamese in Thailand: a historical perspective)


1837. Racial and anti-Catholic prejudices
“Many of these are descendants of Portuguese who lived with native woman, and some few are converts in Buddhism. In civil condition they are bellow the Siamese. No part of the population of Bangkok is more degraded. Their children are not taught; their manners are not improved; their knowledge of Christianity is very small (...) and they are neither industrious, cleanly, nor moral.”
(Malcolm, Howard. Travels in South-eastern Asia: embracing Hindustan, Malaya, Siam and China).
Howard Malcolm, 1799-1879. Baptist minister, founder of the American Peace Society, has been sent by the American Baptist Foreign Missionary Union to Burma, China, India and Siam.


1839. Receiving an envoy of the government of British India
“At 4 am halted at the British factory on the side of the river opposite the fort and city of Bangkok and found Piedade, the port Captain, Benedito (=Bento) (who has received from the King the title of Peavisit) commandant of artillery, and Pascal (=Pascoal), all native Christian Portuguese, waiting my arrival at the mat house (...)”.

“In a few minutes we crossed the river, and passing up beyound the landing place used by the king, landed near some large sheds, where we found Piedade and several other native Christians, officers of the Siamese army, dressed in their embroidered uniforms with gold epaulets etc, waiting for us. Benedito had a spare cocked hat, with tawdry embroidery and some rubies of small value stuck about it, carried before him on a thing like a barber’s wig block.”
(Farrington, Anthony (ed). Dr. Richardson’s missions to Siam)
1840-1849: Conflicts between the Christians and the French clergy
“The missionaries on our side were art warfare with those on opposite bank [Assumption] regarding certain points of Church doctrine, but as they were all supported by one society [Missions Étrangères] they were compelled to have a board meeting once a month, to draw up reports and send in their drafts for monthly pay: here violent controversies would ensue, which generally ended in a flood of tears and a hugging all round”.
(Neale, Frederick Arthur. Narrative of a Residence in Siam.)

1855: Portuguese-Siamese as Phrai Luang

“Many of the Christian communities live apart from the Siamese, in Campongs, or camps. They give their three months of service yearly to the King, or pay regular commutation, and are not molested in other matters (…).”
(Bowring. John. The Kingdom and People of Siam; with a narrative of the Mission to that Country in 1855).

A Portuguese as representative of the Phra Khlang
“The officer charged with the superintendence of the Christians races in Bangkok informed me that their number was between three and four thousand; and this statement was confirmed to me by the Catholic missionaries.They are mostly composed of the descendants by native woman, of Portuguese settlers who, from the days of their ancient Oriental glories, have been from time to time poured out upon the various countries of the East. Few of these mixed races have retained the language of their fore-fathers; of those who are still able to speak Portuguese with tolerable correctness, several were retained for my service by the Court. (...) We were welcomed at Paknam by a functionary of Portuguese blood, clad in a European Court dress, which he said had been presented to him by Sir James Brooke. (…) His name was Alvergarias (=Albergaria). At Paklat he was the master of the ceremonies”.
(Bowring. John. The Kingdom and People of Siam; with a narrative of the Mission to that Country in 1855).


1863. Francis Chitrakani, a Catholic from Thonburi, the first professional photographer in Siam
“Photographs of Chulalongkorn as teenager, and probably also those of his first coronation ceremony in November 1868, were the work of Siam’s first commercial photographer, Chit Chitrakani (1830-1892). Under his Christian name, Francis Chit, he had established in 1863 a photographic studio on a floating house near the St. Cruz church, in Thonburi. (...) He was eventually granted the title of Luang Akhani Narumit for his services to the royal household.”
(Pellegi, Maurizio. Lords of Things: the fashioning of the Siamese monarchy’s modern image)
1860-1870: Adaptation to new times
Siamese Revenue Service. Costume House Department: S. Bateman (Commissioner) and JMF da Costa (Inspector)*”.
*Son of José Maria Fidelis da Costa, born in Goa, and Ana Rosa Braga da Costa, born in Macao, José Maria Fidélis da Costa Jr. Born in Bangkok.

Rice Department: Rice Office and Export Office. Rice Inspector: José Maria Fidelis da Costa (Inspector) and Mr. F. Ribero (=Ribeiro).

Bangkok Police Department. S. J. Arnes (Comissioner) and Mr. R.A. António (Interpreter)”

Merchants and Agents in Bangkok:
J.S. Parker (established in 1856). P.A. da Costa* (Assistant)*Family from Goa and Macao established in BangkokAgency of Russel and Co. (established in 1857). D.O. Clark and G: Moor*, JF Machado (Assistants).
* From Macao and relative to the Portuguese Consul.

D’Almeida & Co. Comission Agents (established in 1857). António d’Almeida and Abraham Velge (partners). Branche House: Singapore

William Anthom and Co. (established in 1857). F. Xavier* (Assistant)
* Macanese family stablished in Bangkok. His grandfather came to Bangkok and worked as Secretary of Consul Carlos Manuel da Silveira and his father was Luis M. Xavier, made Khun Pasa Pariwatta during King Rama III’s reign.

Pickenpack* Thies and Co (established in 1858). M. C. Cordeiro
* German entrepreneur; further Consul of North German League

JMF da Costa (established in 1870): Comission Agent and Wine Import. Assistants: D. Xavier; Kim See Eng.

Windsor, Redlich & Co. (established in 1871): Agent for the Chinese Insurance Co. Limited. Assistants: FM de Jesus*, LM Cordeiro**
*Filomeno Manuel de Jesus, born in Macao
** Ludovico Miguel Cordeiro: born in Bangkok from macanese family
A. Markland Co’s Steam Rice Mill. B. Simoens (= Simões) (Assistant and Engineer)

1888. Portuguese officials under Rama V
“The gentleman who served as interpreter at the meeting with the Minister of Foreign Affairs is Mr. Honorato de Sá, one of the most worthy and intelligent sons of Macao. This not the only Portuguese in the service of His Majesty and unfortunately the English compete with them to places for officials in this country. Nevertheless, the following Portuguese still in the service of the Siamese government: AF da Costa, in the Ministry of Foreign Affairs, AJF da Luz, in the same Ministry, A. de Sousa, commander, BP Simões, interpreter in the International Bureau, FM de Jesus, police inspector at the Paknam, JJ Arozo, in the the Central Office, JMF da Costa, Inspector General of Customs, JMF da Costa, Attaché of the siamese representation in Japan”.
(Silva. J. Gomes da. Viagem a Siam)

domingo, 19 de julho de 2009

Portuguese descendants in Thailand

1. Early Portuguese Empire (summary characteristics)
Monopoly of conquest;
Monopoly of navigation and trading;
Monopoly on missionary activity;

Reasons alleged by the portuguese for his empire:
- Spread Christianity
- Glory to the King of Portugal
- Wealth for the Christian world
- War against Islam (“holly war” = crusade)
- Find other supposed Christian kingdoms in order to bring them to an alliance


2. Main Portuguese strongholds in the East
1. Mozambique (1507-1975)
2. Goa (1510-1961)
3. Malacca (1511-1641)
4. Macao (155-1991)
- Mediator in commercial exchanges between China and Japan;
- Mediator between China and western markets
- West-east contacts based on Portuguese doctrine of Mare Clausum - "closed sea" - authorized by the Pope - around 1480, confirmed by Tordesilhas Treaty with Castile (Spain since 1496), which divided the globe in two: the West for the Spaniards and the East for the Portuguese.


3. The Portuguese "Estado da Índia"
Administrative/ political structure
Capital in Goa: governor and Vice-Roy's residence
- Advised by a Secretary ("Secretário da Índia") and a
- State Council ("Conselho de Estado")
Around 1570, three main areas composed the Portuguese "Estado da Índia":
Eastern Africa to Ceylan: ruled directly from Goa
Ceylan to Pegu (Burma)
Pegu to China (Malacca’s governor)
Large autonomy to "Câmaras Municipais" (town councils), elected by local christian population and working together with a representative of the King
In case of lack of population (fortresses and trade posts)
Military government and officials appointed by the Crown
Capitão (Commander)
Feitor (responsible for economics)
Alcaide-Mor (responsible for defense)
Ouvidor (justice)

4. The Patronage (Padroado Português das Índias)

The Portuguese held the monopoly of evangelization in Eastern hemisphere (Padroado). Goa was called "Rome of the East", headquarters of the Catholic Church in Asia and divided in to 10 ecclesiastical provinces:

- Ethiopia
- Cochim (Kochi)
- Malacca
- Pegu (Burma) to Tonkin (Vietnam) and Insulindia (Indonesia)
- Macao and Southern China
- Japan (Funay)
- Cranganor (Indian hinterland)
- Meliapor
- Ceylan to Pegu
- Mozambique

Catholic religious orders
- Franciscan Order ("Franciscanos"): mainly in India, Malaca, Macao and Japan- Dominican Order ("Dominicanos")- Agostinian Order ("Agostinhos")- Society of Jesus (Jesuits) or Companhia de Jesus" ("Jesuítas") organized in to four provinces:
Goa, northern India, Tibet, East Africa, Malabar, Ceylon, Bengala, Malaca, Indonesia, Northern China, Japan, Southern China, Indochina.

Jesuits were the most organized, efficient and successfully missionaries, very popular among local communities due their remarkable capacity to respect native cultures and get the sympathy from local elites. Each province should provide to Rome an yearly report ("Cartas Ânuas") containing every major and minor events that happened within past year. Since they were banned from Japan, they settled their activity for South-East Asia in Macao.


The lost of Ceylan, Malaca and Ormuz, endless wars against European rivals and regional ascending powers (Oman, Atcheh"/Aceh), Japanese isolationism under Tokugawa shoguns and the rise of Manchu Qing dynasty in China forced Portugal to opt for a new global policy.

By the middle of 17th century, the Portuguese chosed Brazil has priority, due the the obvious natural ressources and scarce native population, not socialy and stately organised as the asians that Portugal was forced to deal with in the Indian and Pacific oceans areas. In Asia remained some traces of its past glory: Goa, Daman and Diu in India, Macao in Southern China and East-Timor in Indonesia.

Indian Ocean became a secondary scenario. Thus, Macao became the main Portuguese commercial and religious city in Fart East, enjoying a large autonomy, both economic and political. Local Senate had firm control over junk trade permissions trough the "cartaz" system.
This monopolistic advantage remained until the size of Hong Kong by the British in 1842, despite all Dutch and French attempts to intercept and disrupt such prosperity.

Contacts between both countries have been kept, even in bad moments when Siam fought for Its independence and restoration under King Taksim and Rama I reigns. With the complete integration of Siam in international community, diplomatic relations have been managed first by Portuguese governor of Macao, and further by representatives of Portugal in Bangkok.


5. Adventurous

Many adventurous Portuguese settled in Burma, Siam, Cambodia and Vietnam. Most of them used to be sailors, mercenaries soldiers and many others former officials who had deserted from their posts.
In South East Asian kingdoms, they got marriage to local women and they were called “casados”. Throughout 16th, 17th, 18th and first quarter of 19th century, important Portuguese descendent communities were formed along the shores of Indian Ocean.

Ethnic Designation / Population circa 1830
- Bayingyis in Burma 3.000
- Eurasians in Malaca (further in Singapore) 3.000
- Burghis (Ceylan) ?
- Portuguet (Siam) 1400-2000 (in Bangkok)
- Katholic (Cambodia) 1000
- Hoalang (Vietnam) ?


6. Main characteristics of the Portuguese descendent communities
1. Use of Portuguese language, which was the Lingua Franca (pidgin, a trade language used by numerous communities).
2. Conversion to catholic faith, but remaining many characteristics of cultural background.
3. Specialization within the social framework of dominant Buddhistic societies.
4. Privileges and exemptions granted by the local rulers (exemption from Corvée-style labour) and specialized work as translators and interpreters, oarsemen of royal barges, gunners and shooters, engineers, gunpowder producers and physicians.
These communities were under the authority of a local catholic.
5. Lived in settlements called Bandel or Kampong in the periphery of the capital or close to the main commercial networks*.

*Burma: Dagon (Yangoon) and Mergui, later in Mandalay; Cambodia: Udong and Kampot; Siam: Ayuthia, Tonburi, Bangkok, Chantaburi; Tonkin: north Vietnamese coast.
6. They use to be under spiritual guidance of Portuguese catholic priests.


7. The “Black Legend” of the Portuget according to American, French and British sources:
1. The Portuget seen as an obstacle an obstacle to normal relations between European powers and Siamese government;
2. First seen as responsible for Siamese isolationism, and further under Rama V very devoted to so called Conservative Siam and its leaders, the Bunnag (บุนนาค) family, mainly Chuang Bunnag (สมเด็จเจ้าพระยาบรมมหาศรีสุริยวงศ์).
3. Intermediaries in all contacts between Farang and Siamese authorities: Burney, Crawford, Finlayson, Roberts, Ruschenberger focused on them exaggerating the hostility towards foreigners.

a) Arriving to the mouth of Chao Phraya, European boats were visited on board by an emissary sent by the governor of Paknam (ปราการ). This emissary was the Captain of Bangkok Harbor – a Portuget – and they were asked about the reasons of the visit, the duration of the visit, crew number, the value of the gifts to King and Phraklang, the cargo and weapons on board.
b) Meeting with the Governor of Paknam advised by Portuget interpreters.
c) According to orders received from Bangkok, the visitors were taken in a boat whose crew was composed entirely by Portuget.
d) Finally in Bangkok, visitors were housed in a special building and received the visit of another Portuget, the general of Siamese artillery, Phraya Visset or Pascoal Ribeiro de Albergaria.
e) Meeting with the Phraklang and a Portuget interpreter.
f) Informal meeting with the Maha Uparat and his private secretary, a Portuget.
g) Formal reception given by the King (Rama III). The King used a Portuget interpreter.
4. For the protestant missionaries working for the London Missionary Society, the Dutch Reformed Church and the American Missionary Society, the Portuget were seen as papists and enemies, caused their loyalty to Rome. The authorization required to bring bibles and other printed books was carefully examined by a Portuget working for the Phraklang.


8. Status held by the Portuget in early Bangkok period:
1. Auxiliary functions at the Court and Phraklang, but also relevant positions in the army and Navy.
2. Within the Sakdina system, most of them were Phrai Luang, precisely Phrai Suay, but some of its members reached higher social status entering the nobility (Khunang) during the first decades of Bangkok period. The reason for that can be explained for the sudden lack of manpower and partial breakdown of noble families caused by Thai-Burmese war, but also due to the importance given by king Rama III to revitalization of the junk trade.
3. Among the most remarkable Portuget of this period, deserve special mention Phraya Visset Pascoal Ribeiro de Albergaria and Phraya Bibahd Kosa – or Celestino Maria Xavier – whose father was born in Macao and migrated to Siam during the first stages of the new capital.

9. Ethnicity and culture:
1. The Catholic community can be defined as an hybrid ethnic group encapsulate by its religion and Eurasian origins, but sharing with the majority the main cultural values of Siamese society and political institutions. Under the protective shield of the system, this community has features which guarantee success and prestige.
2. Later, when the process of nation-state building was developed, the community lost its specificity and came to be competing by the new bureaucracy. However, many of its members showed great capacity and become essential businessmen in important companies.
3. Despite living in a urban society, they remained attached to their “urban villages” within Bangkok, close to their churches and keeping strong identity. The strategy for survival was to not lose none of the characteristics. By mid-nineteen century, other catholic Eurasians arrived from Macao and then the community managed to survive.

10. Threats:

1. The Thai Catholics of Portuguese origin struggled for decades:
a) Against the lack of openness of many French priests, which could not understand why the Siamese wanted to maintain social practices not in accordance with Euro-centered official Catholic teachings. Between 1780 and 1860, the community asked repeatedly to have Portuguese priests, but this wish could not be fulfilled since the Pope determined that the Mission of Siam should be managed by the Société des Missions-Étrangères de Paris.
b) Against the rise of nationalism which meant that the Siamese should be Buddhists and thus other minority religious groups - especially the Catholics - would be the seen as representatives of colonial French power.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Bangkok recebe herói português (1924)

"Quando entramos no vale do Menam (...), a planície alonga-se em várias em vastas campinas de vegetação baixa que nos atraem, num convite mudo a voar mais baixo, sob um céu de iluminura, tão azul como o céu de Portugal. Não há estradas. Apenas uma linha férrea riasca na coloração uniforme do terreno, um traço de carvão. Sobre Ayuthia, os campos alagados recomeçam e o voo retoma o seu carácter de farandola irritante. Perto das duas horas, a esplanada do aeroporto de Don Muang recorta-se como quadrilátero branco no horizonte. E aterra-se com prazer, porque a pista é magnífica e o voo durou cinco horas e quinze minutos.A aviação siamesa recebe-nos como todas as aviações nos receberam: espírito de classe, entusiasmo, simpatia e amizade. O general comandante da base, que nos esperava no campo com vários oficiais, informa-nos em francês de que temos à nossa disposição uma equipa de mecânicos e o combustível necessário para enchermos os depósitos. É necessário substituir um cabo de comando do leme de profundidade e remendar a tela da fuselagem. Disto informamos o director do hangar de montagem, oficial piloto que nos escuta atentamente, e a quem deixamos entregue o Pátria II. Pelas quatro horas, tomamos lugar no comboio que nos leva a Banguecoque, vinte quilómetros ao sul, e ali somos recebidos pelo Chefe de Estado-Maior, irmão do rei, e pelo cônsul interino de Portugal, italiano melífluo e poseur que tem para connosco atitudes cerimoniosas de ministro.Para sermos recebidos no consulado é necessário que nos anunciem com alguns minutos de antecedência e que esperemos um quarto de hora num salão de mau gosto, com pretensões a Luís qualquer-coisa. Oferece-nos [o cônsul] um jantar no hotel, e reflecte-se-lhe na face bem barbeada, cuidadosamente barbeada, que uma camada de pó-de-arroz amacia, a indiferença que lhe merecemos e a amabilidade forçada do cargo oficial. No clube, porém, há um minuto de verdadeiro entusiasmo, entre franceses, ingleses e aviadores siameses, que brindam pelo nosso êxito, sinceramente. Modesto, quase humilde, o macaense Joaquim António é uma alegria íntima a querer traduzir-se em palavras, a querer expandir o que sente. Nas lembranças que nos oferece, as suas mãos põem frémitos de dedicação espontânea, de simplicidade cativante.Na manhã do dia seguinte – 10 de Junho – o comboio leva-nos de novo a Dawn Muang, de onde não conseguimos descolar por se encontrar avariada uma das bombas elevatórias de gasolina, cuja reparação indicamos como deve ser feita e fica entre mãos de um mecânico siamês.Para matar o tempo e tédio, percorremos as instalações das oficinas e depósito de Dawn Muang, que nos surpreendem, que nos maravilham – e porque não confessá-lo ? – que nos entristecem ao recordar a miséria em que vive a nossa aviação.Na pista imensa (cerca de dois quilómetros quadrados de terreno), os oito hangares de alvenaria deixam ver pelas grandes portas abertas, numerosos aviões de escola, de caça, de bombardeamento, de observação, limousines e ambulâncias. Esta multiplicidade de tipos de avião resume-se, contudo, a três únicas marcas: o Nieuport, para escola; o Nieuport-Delage para caça; e o Breguet para o resto.Não muito longe, as oficinas em cujo acabamento se trabalha, estão cheias do labutar ruidoso das máquinas que preparam material para os aparelhos, cuja célula é inteiramente construída ali, sendo exclusivamente importada parte do material de construção e o motor. O serviço postal aéreo, feito por oficiais do exército, funciona regularmente, trazendo para a aeronáutica uma receita importante. E como os setenta e dois aeródromos que polvilham o território siamês inspiram confiança aos amantes do ar, o número de passageiros vai aumentando dia-a-dia. A gente observa, escuta, e inconscientemente compara. Como é grande, na realidade, a diferença entre o critério dos governantes siameses e o da maioria dos governos portugueses... Ali, naquela nação longínqua dos confins da Ásia, onde julgávamos encontrar um povo selvagem, a aviação é olhada como arma indispensável na paz e na guerra. Por certo, se pretendermos compará-la com os exércitos aéreos das grandes potências, o Sião está longe de ter atingido aquele desenvolvimento colossal. Pequena potência como nós, no entanto, a sua aviação pode ser considerada já como modelar."

BEIRES, José Manuel Sarmento de. De Portugal a Macau: a viagem do Pátria. Lisboa: Seara Nova, 1925

sábado, 27 de junho de 2009

Bairro católico de Bangkok / โบส์ซางตาครู๊ตที่ธนบุรี


Elsa Resende, jornalista da Lusa que aqui esteve a convite do governo tailandês, deixou o seguinte testemunho da sua visita ao "bairro português" da capital tailandesa. A ler com atenção, pois revela a sobrevivência de uma comunidade que manteve com coragem e tenacidade o orgulho da sua ascendência.


Jirawach Wongngernyuang não chegou a conhecer o seu bisavô, mas foi por causa dele que aprendeu português. O jovem é o único luso-tailandês que fala o idioma dos seus antepassados num bairro católico da cidade budista de Banguecoque. O bairro chama-se Santa Conceição e fica numa das margens do rio Chao Phraya, na zona de Dusit. O seu nome deve-se à Igreja da Imaculada Conceição, construída em 1837por missionários franceses no local outrora ocupado por uma igreja portuguesa. Atrás da Igreja da Imaculada Conceição há uma outra igreja, mais pequena, construída em 1674 pelo padre Luís Laneau para a comunidade portuguesa.Hoje, vivem em Santa Conceição 1.500 tailandeses, 90 por cento dos quais católicos devido à influência, no passado, dos missionários cristãos europeus. Vinte e uma famílias têm ascendência lusa. Jirawach Wongngernyuang, 21 anos, é um dos membros dessas famílias. O seu bisavô paterno, Pinto Dias, de quem tem poucas referências, era português. Foi embaixador na Itália ao serviço da Tailândia durante dez anos e morreu antes do jovem nascer, encontrando-se sepultado no cemitério católico, por trás da Igreja da Imaculada Conceição.É também neste cemitério que está o jazigo da família Costa, o único que conserva inscrições em Português e que remonta à primeira metade do século XIX. Jirawach Wongngernyuang conheceu Portugal há quatro anos quando, ao abrigo de um intercâmbio escolar, foi estudar para Algueirão, no concelho de Sintra, onde completou o liceu ao fim de uma estada de dez meses.O seu interesse pela língua de Camões deve-se ao bisavô Dias porque o avô e o pai, ambos tailandeses, não sabem português. "Como tinha família [de ascendência] portuguesa, quis aprender a língua", justifica à Agência Lusa, num português perceptível mas que necessita de ser aperfeiçoado. O jovem é o único membro da sua família e da comunidade luso-tailandesa de Santa Conceição que fala e escreve português. No ano passado, voltou a Portugal para rever a família Bica, que o acolheu durante o tempo em que estudou em Algueirão, e os "muitos amigos" da escola, com quem comunica, em português, através da Internet. "Assim vou praticando...[a língua]", refere. Deseja ir novamente a Portugal, mas desta vez com os pais e a irmã, que não conhecem o país e com quem vive numa apertada e rudimentar casa em Santa Conceição.Jirawach não sabe quando é que o desejo será cumprido, "a viagem é cara". Estuda em Banguecoque, a cidade-capital colorida da Tailândia feita de contrastes, a metrópole dos táxis amarelos, rosa, azuis, laranjas e verdes, do emaranhado de bancas de rua de fruta, flores, bugigangas e artigos falsificados, dos arranha-céus colados aos templos budistas.Jirawach toca numa banda de "hard rock" e quer ser piloto da aviação civil.Em Portugal, viveu como qualquer estudante português, com a diferença de que, nos primeiros três meses, apenas sabia sorrir, como bom tailandês que se preze, e dizer "olá".Agora que se ajeita no português, deposita a esperança de, tirado o "brevet", trabalhar numa companhia aérea e voar regularmente para a terra do bisavô, que quer conhecer melhor.
Publicado in Combustões em 27.06.2009

terça-feira, 16 de junho de 2009

Tailândia incia delebrações da chegada dos portugueses

Teve hoje lugar na embaixada de Portugal em Banguecoque um jantar de boas-vindas a uma delegação de jornalistas portugueses convidados pelo governo tailandês no quadro de iniciativas preparatórias de sensibilização visando a celebração dos 500 anos da chegada dos portugueses ao antigo reino do Sião. A Visão, o Diário de Notícias, a TVI e a Agência Lusa percorrerão nos próximos dias os locais marcantes na longa história dessas relações, oportunidade única para conhecer in loco o património arqueológico, museológico e outras marcas profundas que Portugal aqui deixou.

Para além dos profissionais da comunicação social, acudiram ao convite do Embaixador Faria e Maya altos funcionários do MNE tailandês, jornalistas tailandeses, a representação da comunidade luso-descendente e o director da mais cotada revista cultural tailandesa, o historiador Krairoek Nana.

À comunidade portuguesa vivendo em Banguecoque foi pedida colaboração na prestação de depoimentos sobre experiências quotidianas de vida na Tailândia, bem como breves comentários sobre o espírito das celebrações de 2011. Como historiador, foi-me solicitada uma curta entrevista para a TVI, no decurso da qual tentei sintetizar a importância desta relação única nos anais da história diplomática mundial.
Parece que, finalmente, os tailandeses estão a dar os passos decisivos na convocação das melhores inteligências e boas vontades para a realização de um intenso programa que integrará exposições, séries documentais, traduções de testemunhos portugueses, simpósios e outros actos de natureza académica, protocolar e social.


Publicado em Combustões em 16.06.2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

10 de Junho em Bangkok / วันชาติโปรตุเกสที่กรุงเทพมหานคร


É assim que se vive o patriotismo, evocando o passado que não pode ser negado e olhando para o futuro com a tremenda responsabilidade que está nas mãos daqueles que querem um
Portugal livre, independente e orgulhoso. Hoje não deve haver português em parte alguma do mundo - o Portugal para além dos oceanos e das montanhas, o Portugal das comunidades em diáspora e o Portugal dos luso-descendentes - que não sinta esse chamamento. Banguecoque celebrou hoje com grande dignidade o Dia de Camões, oferecendo um belo espectáculo de fado na voz de Carminho, que encheu o auditório do Sun Wattatatam Hêeng Phrathét Thay (Centro Cultural da Tailândia). Fiquei surpreendido com a voz, poderosa e dominadora, mas mais espantado com a facilidade com que dominou um auditório desconhecedor da nossa língua. Ao cantar a Bia da Mouraria, o público ovacionou demoradamente e rendeu-se à jovem portuguesa. Depois, foi uma sucessão de reentradas entre fortes aplausos. E dizem que o fado é coisa portuguesa ! Ora, hoje foi dia de fado tailandês.

À saída, entre o corpo diplomático e as autoridades tailandesas, forte representação da comunidade católica portuguesa-siamesa que aqui vive desde o século XVI, gente apegadíssima a Portugal e fiéis entre os fiéis ao nosso bom nome. É comevedor saber que esta comunidade, que a tudo sobreviveu - a guerras, perseguições e até à estupidez de Lisboa - se sente tão portuguesa como nós e ainda espera que num qualquer ministério alguém se lembre que no outro lado do mundo há pessoas que exibem com altivez os apelidos Siqueira, Costa, Antunes e Pereira. Perguntem aos holandeses, franceses e britânicos se têm gente desta. Não, porque fomos diferentes e é nessa diferença que reside a nossa sobrevivência. Sim, somos como os judeus. Resistimos teimosamente e parece que a a todas provações podemos sobreviver.


O Embaixador António de Faria e Maya não deixou passar a oportunidade para os lembrar, agradecendo-lhes em nome do Chefe de Estado tudo quanto têm feito para manter na Tailândia o nome de Portugal. Falou em inglês e em Português. Os nossos luso-siameses ficaram emocionados, pois há entre eles um tão fervoroso culto da pátria distante que algumas famílias, com grande sacrifício, enviam os filhos a Portugal para aí aprenderem a língua dos seus avós. O Instituto Camões bem podia atribuir anualmente meia dúzia de bolsa de estudo a estes outros portugueses nascidos nas margens do menam Chao Phraya.
Acabado o espectáculo, recepção e jantar na embaixada de Portugal. E que jantar, com direito ao bacalhau que não via desde 2007, o vinho das nossas adegas e a doçaria portuguesa conventual que os thais tão bem conhecem, pois adoptaram-na como sua desde que Maria Guiomar de Pina a ensinou aos mestres culinários da corte siamesa em Ayuthia.

A um canto, sentado aos pés de um retrato da nossa D. Maria I, um diplomata luso-canadiano, ex-embaixador do Canadá em Singapura, homem culto e grande conhecedor da nossa história asiática. Conversa interessante, com partilha plena de pontos de vista e uma esperança que teima em não morrer num Portugal restaurado. Soube-me o breve diálogo tão bem como o café. Afinal, Portugal não conhece cartões de identidade e passaportes. Portugal é uma ideia. Acudiu-me de novo a letra da Bia da Mouraria: "embora qualquer dos noivos tenha pouco mais que nada". Isto soa-me ao nosso patriotismo. Não importa saber se somos ricos ou pobres, se os outros têm os bancos e as negociatas que conspurcam o mundo. O importante é saber mantermo-nos portugueses e impedir que nos transformemos em gente de bazar. Um amigo chamou-me a atenção pela não exibição da bandeira europeia na cerimónia da tarde. Pensei no assunto. Erro protocolar, omissão ? Depois, falando com os meus botões concordei: a Europa não é aqui chamada para nada. Nós somos do mundo, um pouco na Europa, muito nas Américas e em África, um bom pedaço na Ásia. Ora, não precisamos da Europa para nada.
Publicado em Combustões, 10.06.2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

Vasconcelos de Saldanha triunfa em Banguecoque / การประชุมที่สยามสมาคมในพระบรมราชูปถัมภ์เกี่ยวกับคนโปรตุเกสในสมัยอยุธยา


Confesso que não tenho o costume de gabar os amigos, de me exceder em adjectivos a respeito de pessoas cujos predicados os dispensam e muito menos recorrer a panegíricos. As pessoas de excepção deles não precisam. Contudo, ocasiões há em que se nos impõe lembrar que tais qualidades, mais que atributos singulares, enriquecem-nos enquanto comunidade, servem o país e até têm o secreto dom de fazer crer aos estrangeiros que Portugal ainda é, como o foi no passado, uma grande nação. Tenho desde há anos pelo Professor António Vasconcelos de Saldanha uma grande admiração. Pela obra, imensa, profunda, diversa e sempre esmerada na forma e na exaustividade do aparato documental que a serve, posiciona-se iniludivelmente como um dos homens de cultura mais destacados da vida académica portuguesa. Pelo profundo conhecimento da presença portuguesa no Oriente, da Índia à China e ao Japão, tem aberto novas fronteiras e linhas de compreensão na interpretação dos factos, modos, homens e instituições que por aqui deixaram os nossos antepassados entre o século XVI e o século XIX. Pela rara capacidade de confrontar a massa documental portuguesa - que conhece como os dedos da sua mão - com a bibliografia antiga e fontes documentais que vai colhendo em França, no Vaticano, na Grã-Bretanha e Holanda, às quais acrescenta impressionante conhecimento de tudo o que de revelante se vai publicando fora de fronteiras, é um historiador de grande fôlego e criatividade.

Hoje fui ouvi-lo discorrer sobre a presença portuguesa no Sião. No auditório da Siam Society, a mais prestigiada instituição cultural da Tailândia, falou durante hora e meia sobre a génese e organização do bandel de Ayuthia, do "império sombra" das comunidades portuguesas luso-asiáticas fora do espaço administrativo da Coroa Portuguesa, da missionação que jesuítas, dominicanos e franciscanos aqui desenvolveram, da relevância que os católicos luso-descendentes tiveram na Birmânia, Sião, Camboja e Vietname, da ideia portuguesa de fraternidade universal. Um discurso fluente, cativante e vibrante - naquela linha que José Adelino Maltez crismou de "patriotismo científico" - e não deixou indiferente os assistentes, na sua grande maioria especialistas em temas relacionados com o Sudeste-Asiático. Entre a assistência, que encheu por completo o local, consegui identificar muitos professores universitários (italianos, franceses, holandeses, norte-americanos, indianos e tailandeses), quadros superiores dirigentes dos ministérios da cultura e dos negócios estrangeiros, bem como os embaixadores de Portugal, da Índia e Timor-Leste.



O dia não se proporcionva a tal enchente: pela hora tardia da sessão, pelo facto de hoje se inaugurar a Feira do Livro de Banguecoque, pelo calor sufocante que mais convidava ao conforto dos lares. Tenho assistido com regularidade a eventos promovidos pela Siam Society, mas a conferência de hoje excedeu em número e discussão todas as que até hoje tinha presenciado. Destinada a não ultrapassar meia hora, acabou por se prolongar até à noite sem que um só assistente se levantasse para abandonar a sala. Saldanha trouxe novidades que prenderam os interessados: demonstrou que os portugueses de Ayuthia constituiam uma das mais numerosas comunidades da antiga capital do Sião, que serviam com a mesma lealdade o rei do Sião e a Coroa Portuguesa, que Portugal mantinha paridade absoluta nas relações com este Estado, que a Holanda e a Inglaterra eram apenas vistos como parceiros comerciais, enquanto Portugal desnvolvia todas as características daquilo que hoje se entende como relações Estado-a-Estado, que a França de Luís XIV jogou e perdeu ao pretender expulsar Portugal do Sião, que o mito da conversão do rei do Sião ao catolicismo, mais que um lamentável imbróglio que terminou em tragédia, era há muito desaconselhado pelos Jesuítas, grandes conhecedores da região. Foi tudo provado, peça a peça, com mapas, manuscritos, referência a protagonistas e acontecimentos. Na meia hora de perguntas que a direcção da Siam Society disponibilizou, Saldanha teve ainda a oportunidade de tornar clara a rede de relações que então existia entre as comunidades católicas luso-asiáticas da região, da relevância dos postos administrativos e militares que estes portugueses ocupavam, do monopólio que detinham enquanto fabricantes de armas de fogo e artilharia, intérpretes, escrivães e soldados.


Ao terminar o acto, foi com surpresa que verifiquei que os presentes, em vez de sairem, se dirigiram ao orador para lhe prestarem as mais cordiais saudações, coisa rara na Ásia, pois a inibição e timidez aqui são características reinantes. Foram pedidos de esclarecimento, referências à ancestralidade do sangue português que lhes corre nas veias, pedidos para que volte e desenvolva temas quase desconhecidos e inacessíveis para a maioria dos investigadores, dado a língua portuguesa continuar a ser obstáculo ao conhecimento das nossas fontes. Antes de terminar o acto, a direcção da Siam Society pediu ao Embaixador de Portugal, António de Faria e Maya, que entregasse ao Professor Saldanha o penhor de agradecimento por tão brilhante conferência. Faria e Maya assinalou os méritos do académico conferencista e confessou ter sido este um dia muito importante na abertura do ciclo de comemorações que em 2011 assinalarão os quinhentos anos das relações entre a Tailândia e Portugal. Afirmou o nosso Embaixador a sua profunda comoção e orgulho em ser o representante em Banguecoque de uma nação europeia e ter escutado hoje tão grande lição de um académico que a todos nos orgulha.


Vasconcelos de Saldanha não veio apenas para proferir a conferência. Volta a Lisboa com um precioso acordo de cooperação científica assinado entre a Universidade Técnica de Lisboa, onde é professor, e uma das maiores universidades do mundo, a Universidade de Chulalongkorn de Banguecoque. No decurso da sua breve passagem pela Tailândia, teve também a oportunidade de se encontrar com docentes franceses que leccionam nas universidades de Thammasat e Belas Artes, com os quais travou interessante diálogo sobre a eventual cooperação entre historiadores portugueses e franceses na realização de iniciativas que visem proporcionar estudos sobre a história das missões católicas no Antigo Sião. Há quarenta anos que a Siam Society não tinha como orador um académico português. António Vasconcelos de Saldanha deu por terminado o silêncio português na vida cultural tailandesa. Hoje, ao sair, senti no ar aquela vibração de triunfo que durante muitos séculos acompanhou a passagem das quinas pela Ásia imensa. Hoje senti-me em casa.

domingo, 22 de março de 2009

Obrigação a que não nos podemos furtar

Cumprem-se esta semana 150 anos sobre a assinatura do primeiro tratado de amizade e comércio entre Portugal e o Sião da era Banguecoque (1859). A dois anos das esperadas comemorações evocativas da primeira embaixada enviada por Afonso de Albuquerque ao Sião (1511), espero com ansiedade que os dois governos se resolvam, finalmente, a aplicar um programa à altura do significado de tais relações, as mais antigas e ininterruptas entre uma nação europeia e um Estado asiático.

"No segundo mês (Fevereiro de 1859) o Rei de Portugal enviou Isidoro Francisco Guimarães, governador de Macau, para vir ao Sião como seu embaixador, com José Maria da Fonseca como vice-embaixador e Sìsùkoomeewáruuprassù [Francisco de Mello Baracho] como terceiro enviado, todos acompanhados de outros nobres portugueses.
Chegaram a bordo de um vaso chamado Mongdikoo [Mondêgo]. O comandante do navio era Triikonggarii [José Severo Tavares ?].
(...) O Rei ordenou que os enviados portugueses fossem recebidos e trazidos para Banguecoque. (...) Foram hospedados no edifício de tijolo destinados a visitantes estrangeiros, o qual se situa no canal phadung krungsaseem.
(...) O Rei recebeu-os no dusidmahaapraasaad (sala do trono do palácio real) e estes ofereceram-lhe um samovar de prata, uma grande carpete, duas cenas de batalhas emolduradas, um livro sobre a Rússia, uma caixa contendo perfumes, um telescópio e duas caixas de frutas cristalizadas. Outras ofertas destinadas ao Rei Phrapinklao [Phrabat Somdet Phra Pinklao Chao Yuhua, segundo rei de Rama IV] incluíam um samovar de prata, um par de molduras, uma caixa de perfumes, binóculos, um óculo e duas caixas de licores doçes (1)
(...) O Rei indicou o comité para o representar (...). O tratado consistia em vinte e sete artigos. No dia da assinatura do Tratado e aposição dos sêlos, vinte e uma salvas foram disparadas no forte Widchajeentharáprasàd e o vaso de guerra português [que estava fundeando em frente do palácio] correspondeu à saudação com vinte e uma salvas."

in: CHAOPHRAYA THIPHAKORAWONG. The dynastic chronicles. Bangkok era, the Fourth Reign, BE 2394-2411 (AD 1851-1868). Tokyo: The Centre for East Asian Cultural Studies, 1966, pp. 197-199

quinta-feira, 19 de março de 2009

Katya e o Príncipe do Sião: a tentação do Ocidente


Uma história de amor que fazia uma boa fita. Chakrabongse Bhuvanath (1883-1920), Príncipe de Bisnulok, dezassete anos de idade, educado em Cambridge e filho predilecto do Rei do Sião, segue para a Rússia onde vai cursar a Academia Imperial de S. Petersburgo. Aí conhece a jovem plebeia russa Ekaterina Desnitskaya (1888-1960), enfermeira de profissão, por quem se apaixona e por quem se dispõe a tudo abandonar. O par sai da Rússia e vai casar-se secretamente em Istambul segundo o rito ortodoxo. Quando se dá pela ausência do hóspede de luxo de Nicolau II, escândalo na corte imperial russa, comoção em Banguecoque. Amansadas as iras paternas, regressa ao Sião com os galões de coronel dos Hussardos e uma farang como mulher. Este amor quase impossível - o rei nunca a quis ver, mas tinha grande amor pelo neto mestiço, o príncipe Chula Chakrabongse - ditou o afastamento do príncipe da corrida ao trono. O fruto do escândalo, uma criança europeia, foi enviado para longe do Sião. Na Grã-Bretanha cresceu e viveu como inglês, mas deixou importante obra historiográfica. Ainda hoje, para se conhecer a história da dinastia Chakry, que reina desde 1782, é requerida a leitura do The Lord of Life, assinado por esse filho indesejado.

domingo, 15 de março de 2009

Gastronomia tailandesa em fusão

Na Ásia, em Banguecoque em particular, é-nos possível integrar na mesma refeição pratos diversos - de peixe, carne ou vegetarianos - de proveniências várias - Japão, Coreia, China, Malásia, Tailândia - frios e quentes, doces e picantes. Para os tailandeses, a refeição não é um ritual de sucessão (sopa, prato principal, sobremesa), mas um conjunto de provas entrecortadas com bebidas ou frutas. Hoje saí com amigos franceses e saltámos de restaurantezinho em restaurantezinho debicando as iguarias e especialidades de cada um. Começámos por um plaamêuk grelhado regado com molho de soja. O acompanhamento foi feito com uma salada de soja. Refeição muito ligeira, saímos e andámos calmamente falando das actividades que nos prendem. Meia hora volvida, entrámos numa casa muito pequena, com meia dúzia de mesas e pedimos uma sopa de arroz acompanhada por uns bolinhos de soja temperados com ervas. Esta sopa de arroz foi outrora muito gabada pelos viajantes europeus que pelo Sião andaram em meados do século XIX e trata-se, sem dúvida, de contributo da minoria urbana chinesa.

De novo em movimento, comprei uns kanomkáy - bolos de ovos - numa cozinha de rua. É um bolo que denuncia a aquisição pelos siameses da doçaria europeia - talvez portuguesa - e é excelente no acompanhamento de uma taça de chá preto ou café. Os bolinhos são feitos para o freguês, saindo directamente da forma para uns pequenos sacos em papel que lhes preservam a temperatura.

Finalmente, pedindo um café, fomos a uma confeitaria. Pedimos um gelado de chá verde, depositado sobre uma base em gelatina vermelha e comemos, também, um bolo de amoras com pêssegos e natas. Feitas as contas, cada um pagou a exorbitância de 400 Bath pela digressão gastronómica, ou seja, 7 Euro.


Confesso que gosto de comer. Comer bem não é propriamente encher a barriga até cair para o lado. No percurso, revoltado e quase entristecido, passei por muitos fast food abarrotados de basbaques ocidentais engolindo aquele lixo que a América espalhou pelo mundo ao longo das últimas décadas: as batatas fritas, os hamburguers a tresandar a gordura, com aqueles pestíferos molhos, os gelados-lixo, as saladas-lixo; eu sei lá, rações-lixo para a engorda e que são verdadeiro arsenal de doenças para a pandemia de gordos que vai transformando o Ocidente numa caricatura boteriana.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fé menina


Ontem fez um calor de ananases, 36 graus à sombra, uma brisa de fornalha, as pedras ardendo. Passei pelo colégio católico para entregar a um padre amigo um convite para a conferência sobre Portugal que aqui em Banguecoque terá lugar em finais de Março. Época de provas e exames. Um silêncio de supulcro, aqui e ali cortado pela repetição de mnemónicas que alunos agrupados em torno de mesas no recreio repetiam à exaustão. Os asiáticos são estudantes sofridos. Aguentam oito, nove, dez horas lendo, relendo, recitando. A um canto, aos pés da Nossa Senhora, dois rapazes de joelhos e suados, rezavam. Ali estiveram quase um quarto de hora desfiando o rosário. São os católicos tailandeses, fruto da nossa presença. Haverá em Portugal algum miúdo que se ajoelhe durante um quarto de hora sob um sol inclemente pedindo a protecção da Virgem para os exames que se aproximam ? Estas coisas deixam-me a um tempo perturbado e cheio de alegria. Afinal, no mundo, ainda há espaço para a espiritualidade e para o valor teraupêutico da oração.

sábado, 7 de março de 2009

Vamos à luta / มวยไทย


O grande défice demográfico do Sudeste-Asiático ditou o nascimento desta admirável prática guerreira, agora transformada em soberbo espectáculo. Posto que as guerras travadas entre os potentados da região contrariavam o objectivo que as animava - captura de pessoas, com vista ao povoamento e às obras públicas compulsivas que caracterizavam o "feudalismo" siamês - estabeleceu-se no século XV a prática destes torneios de força, resistência e agilidade. Quem ganhasse o torneio, ganhava a guerra. Depois, transformou-se em desporto - violento e sangrento - que não raro terminava com a morte de um dos contendores em plena arena. A abertura do Sião ao Ocidente, ditou o eclipse do muay thay durante décadas. Diziam as autoridades que contribuia para uma imagem bárbara do reino, que os estrangeiros viam em tal desporto a prova do primitivismo dos siameses. Desconheciam os governantes que os europeus desse tempo - como os de hoje - se compraziam com lutas de galos e cães, que a nobreza era exímia nas matanças cinegéticas e que em Portugal e Espanha o mais importante motivo de discussão pública eram as proezas de toureiros. O banimento foi levantado em 1937, em plena efeverscência nacionalista. O regime fascista, impressionado pelo modelo japonês - que tinha no Kendo a prova do carácter guerreiro dos filhos do Sol Nascente - restaurou a luta nacional e procurou internacionalizar a imagem de um povo guerreiro e indómito. E ficou. Hoje, o muay thay é praticado um pouco por todo o mundo e considerado um desporto que envolve milhões em apostas e pratocínios e é rampa de ascensão para muitos jovens oriundos da Tailândia aldeã, rural e profunda.

Hoje fui ao muay thay. Acompanhado por um corpo de músicos, o espectáclo é precedido pela a distribuição de volantes com o nome dos lutadores do dia. O homem que promove os lutadores veste-se com um espaventoso trajo carnavalesco onde se destacam - nas costas, no rosto, na fronte - as cores do país. Vai gabando os méritos e qualidades dos guerreiros, pedindo aplausos e entusiasmando o público.


Permitem-me o acesso à tenda em que os lutadores aguardam o momento para se lançarem na arena. Olhar duro, uma força física tremenda, calejada de pontapés e murros desde a mais tenra idade, fazem destes homens - e mulheres, pois o desporto também é praticado por mulheres - máquinas de destruição. Assisti há meses a um combate entre lutadores europeus e uns franzinos miúdos thais. É claro que a corpulência dos europeus acabou por morder o pó da derrota inapelável ante tais profissionais.


O combate é precedido por uma bela dança propiciatória em que os lutadores exibem a compleição e ganham os favores do público e dos deuses. São artistas, pois Ay quer dizer arte. Na escola que frequentaram durante duras anos, foram-lhes dadas tantas horas de meditação e dança como de luta. A dança cerimonial (ram mooeh) prolonga-se por cinco minutos ao som de tambores e flautas. Os lutadores agarram o cabelo com uma corda nodosa a que chamam mongkon, o que quer dizer dragão, mas esse dragão não é mais que uma naja, serpente venerada desdo os tempos de Anghkhor. Cria-se a magia e o gong assinala o início do despique. Cinco rounds de três minutos cada ditam o resultado da luta. Hoje ganhou o boxeur que fotografara minutos antes na antecâmara do ringue. Dei-lhe chók dii, o que quer dizer boa-sorte. À saída, suado e esmurrado, sorriu-me e fez o cumprimento thai.