sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Militante do Bem e do Belo


Foi ontem inaugurada em Banguecoque uma exposição evocativa da Princesa Real Galyani Vadhana, princesa de Naradhiwas (สมเด็จ พระเจ้าพี่นางเธอ เจ้าฟ้ากัลยาณิวัฒนา กรมหลวงนราธิวาสราชนครินทร์), irmã mais velha do Rei, cujas exéquias fúnebres aqui reportei há duas semanas. Morreu após doença prolongada - cancro no cérebro - aquela que foi, ao longo de meio século a mais militante das causas a que hoje se entregam as ONG's.
Graças a Galyani, os elefantes do Sião foram recenseados e protegidos de maus tratos, o comércio de presas proibidas e a exibição em festividades e divertimentos rigorosamente legislada. Em finais da década de 70, a espécie encontrava-se em vias de extinção. Graças ao trabalho da fundação que a princesa animava, o número de paquidermes está em franca recuperação. Ecologista avant-la-lettre, a princesa foi também uma defensora das florestas ameaçadas pela cobiça de madeireinos e construtores civis sem escrúpulos. A ela se ficou a dever a criação de reservas florestais, parques naturais e bibliografia especializada sobre a fauna e flora tailandesas. Ao contrário da Malásia, Camboja, Laos e Birmânia, verdadeiros paraísos para especuladores e devastadores da natureza, a Tailândia tenta corrigir os atropelos do desenvolvimentismo cego e possui, caso raro na Ásia, um vasto público que terça armas pela causa preservacionista.


Galyani foi também a grande amiga dos deficientes profundos: abriu escolas técnicas destinadas a diminuídos físicos e mentais, animou a rede de orfanatos que o país não possuía - hoje um dos emblemas da protecção à infância na Ásia - e espalhou pelas regiões mais remotas a quadrícula de postos de acolhimento, diagnóstico e tratamento de problemas congénitos. Poucos meses antes de morrer, ainda se deslocava de helicóptero de aldeia em aldeia para verificar in loco a efectiva aplicação do seu programa. As associações de protecção aos doentes cardíacos e às crianças autistas receberam da princesa muitos milhões de Euros e são hoje igualmente consideradas modelares.

Nos tempos da guerra contra o comunismo, envergou o uniforme de miliciana e desenvolveu a guerra pela conquista dos corações e das inteligências. A Cruz Vermelha Tailandesa, mais que as tropas governamentais, fez recuar a guerrilha.
Manteve durante toda a vida intensa actividade de promoção de outras culturas. Viajou por todo o planeta, aprendeu e inspirou-se na visita a museus, feiras culturais e exposições, transmitindo o conhecimento adquirido nessa viagens de estudo aos técnicos das instituições que na Tailândia zelam pela preservação, restauro, estudo e divulgação do património arquitectónico, museológico, bibliográfico e arquivístico do país.

Galyani foi, sobretudo, uma mulher de cultura. Deve-lhe o país a difusão do gosto pela música clássica ocidental, a criação de orquestras sinfónicas e o envio de muitos jovens músicos talentosos para as mais renomadas escolas de música e composição do Ocidente. Lembro-me vê-la, semanas antes de morrer, assistir ao concerto para piano 26, de Mozart. Os dedos tamborilavam acompanhando o ritmo e, decaída, ainda sorria. Galyani deixou obra escrita, mas foi como professora da universidade de Thammasat que cultivou e promoveu o gosto pelas letras francesas, de que era incondicional admiradora. É destas pessoas, mais que de merceeiros e contabilistas, que as sociedades modernas precisam, perdidas no frenesim do nada e sem esteio de dignidade para a promoção daquilo que é substância da liberdade.