E ao terceiro dia, uma massa imensa de gente vinda dos quatro cantos do reino convergiu para Banguecoque para prestar homenagem ao seu Rei no dia em que celebra 81 anos de vida ao serviço do povo. Foi um calvário para chegar ao Terreiro Real (Sanam Luang), em frente do palácio amuralhado que foi o berço desta grande cidade. Não me fiando nas minhas falaciosas estimativas, socorro-me dos noticiários: cem mil pessoas. Pobres, ricos, muito ricos, gente de todas as etnias e religiões, velhos, novos e crianças de colo ali estiveram horas à espera da breve cerimónia das velas.
O Rei não esteve presente, como nunca acorreu a tal festa, mas estiveram todas as instituições que decidem o ser e não ser deste país: as forças armadas, as universidades e escolas técnicas, os sindicatos, os grupos empresariais, o monacado budista, as organizações assistenciais, os veteranos das guerras contra o comunismo e o sub-desenvolvimento.
Senti a força amável deste povo civilizadíssimo na atitude estóica com que aguentou a eternidade que precedeu o acto público. As pessoas ficam caladas, ou falam baixo, sorriem e brincam sem gesticular e sem gritar. Uma massa de amarelo, muitas fotofrafias do Rei, em cada mão uma vela amarela ou flores amarelas. Tocou-me a pose hierática das delegações dos colégios militares, a indiferença à dor da pose hirta dos cadetes, rapazes e raparigas, como me espantou o tom altivo mas não arrogante dos milhares de escuteiros perfilados e alinhados.
Os tailandeses não são maníacos da organização como o são os japoneses, nem possuem o espírito de formigueiro organizado que os chineses insistem em mostrar ao mundo sempre que se lhes pede uma demonstração de força. Os thais são informais, muito afeitos à personalidade de cada, pelo que o holismo que aqui se diz existir vive na tensão entre o espírito comunitário e preceitos que ninguém se atreve infringir e o aquela dose de irreverência simpática com que cada um tenta distinguir-se do grupo. A maior arma dos thais é o sorriso. Parece uma banalidade, mas não é. Nesta terra, só o Rei não sorri, fiel à crença budista que afirma tratar-se do estádio supremo de perfeição humana que precede o nirvana. Se atentarem nas fotos, não há pessoa que não tenha as comissuras sorridentes.De súbito, a grande banda da marinha executa o hino monárquico e a multidão que até aí estivera em silêncio transforma-se num coro em que cada um tenta sobrepor-se à voz do parceiro. Uma liturgia impressionante. As pessoas cantam e os olhos brilham de orgulho. Cada um acende a sua vela e a noite faz-se dia. Nunca assisti a tal coisa na minha vida. Um alto dignitário escolhido para o efeito lê uma longa declaração em louvor do Rei, posto que pede aos presentes que reiterem um juramento de fidelidade ao Rei. É o velho juramento que vem desde os tempos do Rei Trailok (século XV) e que obriga cada um a purificar o coração, oferecendo-o ao trono através de um comovente movimento de entrega da vida ao interesse colectivo consubstanciado na figura do Rei.
Terminado o juramento, uma marcha patriótica tendo como fundo uma cascata de fogo de artifício com as cores nacionais. Furo a barreira policial. Devem ter julgado ser um jornalista farang, pelo que me envolvi na alta roda da nata da aristocracia que se encontrava no palco do terreiro.
Os tailandeses não são maníacos da organização como o são os japoneses, nem possuem o espírito de formigueiro organizado que os chineses insistem em mostrar ao mundo sempre que se lhes pede uma demonstração de força. Os thais são informais, muito afeitos à personalidade de cada, pelo que o holismo que aqui se diz existir vive na tensão entre o espírito comunitário e preceitos que ninguém se atreve infringir e o aquela dose de irreverência simpática com que cada um tenta distinguir-se do grupo. A maior arma dos thais é o sorriso. Parece uma banalidade, mas não é. Nesta terra, só o Rei não sorri, fiel à crença budista que afirma tratar-se do estádio supremo de perfeição humana que precede o nirvana. Se atentarem nas fotos, não há pessoa que não tenha as comissuras sorridentes.De súbito, a grande banda da marinha executa o hino monárquico e a multidão que até aí estivera em silêncio transforma-se num coro em que cada um tenta sobrepor-se à voz do parceiro. Uma liturgia impressionante. As pessoas cantam e os olhos brilham de orgulho. Cada um acende a sua vela e a noite faz-se dia. Nunca assisti a tal coisa na minha vida. Um alto dignitário escolhido para o efeito lê uma longa declaração em louvor do Rei, posto que pede aos presentes que reiterem um juramento de fidelidade ao Rei. É o velho juramento que vem desde os tempos do Rei Trailok (século XV) e que obriga cada um a purificar o coração, oferecendo-o ao trono através de um comovente movimento de entrega da vida ao interesse colectivo consubstanciado na figura do Rei.
Terminado o juramento, uma marcha patriótica tendo como fundo uma cascata de fogo de artifício com as cores nacionais. Furo a barreira policial. Devem ter julgado ser um jornalista farang, pelo que me envolvi na alta roda da nata da aristocracia que se encontrava no palco do terreiro.
Aqui está a aristocracia que serve a dinastia há mais de duzentos anos. Percebi estarem unidos por laços de sangue, mas sobretudo por uma cultura de corte que faz deste país terreno difícil para as arremetidas do lodaçal plutocrático. Foram gentilíssimos.
Sorriram, fizeram pose e um alto dignitário disse-me: "come, joint to us and take pictures has your pleasure". Não posso deixar de reparar que é gente de bela presença, finas maneiras, falar quase inaudível como manda a educação da corte. Que diferença entre esta estirpe que venceu batalhas e fez este país e a gandulagem suburbana feita gente que assaltou o poder no Ocidente e nada mais traz na cabeça que o tilintar do venal dinheirinho. Esta aristocracia tem uma vantagem. Não possui títulos nem é hereditária, como o era a ocidental, o que a faz aberta ao mérito e capaz de profundas alianças estratégicas com o povo chão. Família aristocrática sem mérito e sem folha de serviços volta, após cinco gerações à estaca zero. Aqui parece reunir-se o melhor antídoto à inveja revolucionária do dinheiro: a união entre o povo e o rei servida por uma aristocracia de serviço. Hoje, pela primeira vez desde que aqui estou, cantei a plenos pulmões o "sadudi Maha Rahja, sadudi Maha Rahjinii" (saúdo-vos meu Rei, saúdo-vos minha Rainha). A maioria não é só a força bruta do número, mais o papel verde. A maioria também é, deve ser, a força da qualidade. Fiquei aquietado após o sobressalto de ontem. Aqui, "eles" terão de passar por cima de toda esta gente para implantar a tal coisa repelente que vigora em tantas paragens da orbe.
A Maioria Silenciosa disse o que tinha a dizer ! Pronto.