Quanto mais progrido nos estudos thais, maiores as surpresas que se me vão deparando. A construção do Estado Moderno no Sudeste-Asiático data de meados do século XIX. Aqueles elementos definidores que a ciência política comumente aponta - população, território e soberania - mais as instituições que efectivam o exercício do poder (tribunais, forças armadas e policiais, burocracia) já qui existiam no quadro da Mandala siamesa (a monarquia "clássica e patrimonial) mas foi grande a engenharia de legitimação (interna como externa) que possibilitou o reconhecimento do Estado como entidade dotada de um passado e actualidade que tornassem possível a sua aceitação pela comunidade internacional e pela população ocupando o território. Aqui como na Europa Oitocentista, a construção da cidadania fez-se mais pela intepretação historiográfica, pela decantação do "espírito nacional" e suas realizações espirituais, literárias e arquitectónicas, que pelos elementos formais externos que a definem.
Já aqui havíamos falado dessa plêiade de italianos expatriados aos quais coube a incumbência de fazer a mise en scène da monarquia absoluta sob os reinados de Rama V (1868-1910) e Rama VI (1911-1925). Nesse notável grupo de latinos contratados pelos reis destacou-se Corrado Ferocci (1892-1962), que chegou ao Sião em 1923. Coube-lhe descobrir e estudar as belas artes siamesas e interpretá-las à luz da História da Arte. No processo de modernização e ocidentalização que decorria, a xenomania permitiu a destruição de um património milenar, tido como escolho ao progresso. As artes tradicioais - o muralismo, a escultura sacra, a ourivesaria e a joalharia, a lacaria - haviam deixado de interessar, as encomendas da corte cessaram e os ofícios e seus mestres, morrendo por falta de estímulo, procuraram outras actividades. Qualquer cadeirão, peça ou pano, castiçal de gosto duvidoso, tapeçaria ou espelho vindo da Europa era disputado pelas famílias da aristocracia de sangue ou pela alta burocracia como marcas de civilização dos seus possuídores. Tudo se copiou. O Sião autocolonizava-se a partir do modelo europeu e a identidade - o fundamento da diferença e da liberdade de uma comunidade - ia-se apagando.
Na vigésima quinta hora, o Rei Rama VI - formado na Europa e muito impressionado com a teorização nacionalista - lançou um vasto programa educativo visando estancar a perda de identidade, fixar o carácter thai e reintroduzir práticas culturais em desuso. Assim, preservou o teatro e a dança tradicionais, reintroduziu as procissões das barcas reais, salvou da desaparição a literatura oral, defendeu a música e instrumentos ameaçados pela adopção da música ocidental, fundou os Arquivos e a Biblioteca Nacional e lançou um programa de conservação e restauro dos monumentos que, por falta de uso, haviam sido devorados pela floresta ou transformados em simples pedreiras. Para completar a restauração artística e cultural, convidou Ferocci para aplicar no Sião o modelo das escolas de belas artes europeias, com a dupla consigna da preservação da memória e estímulo à criatividade no quadro da cultura do seu tempo.
Já aqui havíamos falado dessa plêiade de italianos expatriados aos quais coube a incumbência de fazer a mise en scène da monarquia absoluta sob os reinados de Rama V (1868-1910) e Rama VI (1911-1925). Nesse notável grupo de latinos contratados pelos reis destacou-se Corrado Ferocci (1892-1962), que chegou ao Sião em 1923. Coube-lhe descobrir e estudar as belas artes siamesas e interpretá-las à luz da História da Arte. No processo de modernização e ocidentalização que decorria, a xenomania permitiu a destruição de um património milenar, tido como escolho ao progresso. As artes tradicioais - o muralismo, a escultura sacra, a ourivesaria e a joalharia, a lacaria - haviam deixado de interessar, as encomendas da corte cessaram e os ofícios e seus mestres, morrendo por falta de estímulo, procuraram outras actividades. Qualquer cadeirão, peça ou pano, castiçal de gosto duvidoso, tapeçaria ou espelho vindo da Europa era disputado pelas famílias da aristocracia de sangue ou pela alta burocracia como marcas de civilização dos seus possuídores. Tudo se copiou. O Sião autocolonizava-se a partir do modelo europeu e a identidade - o fundamento da diferença e da liberdade de uma comunidade - ia-se apagando.
Na vigésima quinta hora, o Rei Rama VI - formado na Europa e muito impressionado com a teorização nacionalista - lançou um vasto programa educativo visando estancar a perda de identidade, fixar o carácter thai e reintroduzir práticas culturais em desuso. Assim, preservou o teatro e a dança tradicionais, reintroduziu as procissões das barcas reais, salvou da desaparição a literatura oral, defendeu a música e instrumentos ameaçados pela adopção da música ocidental, fundou os Arquivos e a Biblioteca Nacional e lançou um programa de conservação e restauro dos monumentos que, por falta de uso, haviam sido devorados pela floresta ou transformados em simples pedreiras. Para completar a restauração artística e cultural, convidou Ferocci para aplicar no Sião o modelo das escolas de belas artes europeias, com a dupla consigna da preservação da memória e estímulo à criatividade no quadro da cultura do seu tempo.
Pelo Sião ficou Ferocci durante três décadas, fazendo trabalho de valências múltiplas, ora como arquitecto de monumentos públicos - Monumento à Democracia: Anusawari Pracha-Athipathai = Monumento à soberania nacional, 1939-40; Monumento à Vitória / Anusawari Chai Samoraphum, 1942) - ora dedicando-se à investigação e publicação de extensos relatórios sobre o património artístico. Em 1943, com avultados meios proporcionados pelo governo fascista tailandês, criou a Universidade das Belas Artes de Silpakorn. Por esta altura, já falava, lia e escrevia correctamente o thai, pelo que se havia transformado num homem da terra. Rodeado de grande corte de admiradores, Ferocci tornou-se cidadão tailandês e passou a chamar-se Sin Phirasri (ศิลป์ พีระศรี). Ao regressar a Itália, no ocaso de uma vida plena, o Estado Tailandês tributou-lhe as maiores condecorações e honrarias. É hoje venerado pelos milhares de alunos da Universidade que fundou e até tem direito a efígie nos selos postais e moedas comemorativas. Todos os dias, pela manhã, aos pés da sua estátua são depostas flores e doces e do seu dedo pende um fio de algodão, símbolo da pureza longeva.