sábado, 26 de dezembro de 2009

Campos de papel

Para quem já fez trabalho de investigação em História sabe do entusiasmo, das viagens e aventuras solitárias que se podem fazer dentro de casa, no silêncio do estudo. Contudo, a redacção de qualquer livrinho, por mais insignificante, envolve milhares de horas, resmas de fotocópias, centos de fichas anotadas, retocadas, corrigidas ou rasuradas de cima a baixo. Depois, há os livros comprados ou requisitados em bibliotecas, as obras de referência lidas e comentadas em glosas laterais, mais as fotos tiradas nos arquivos, os documentos em microfilme, as transcrições parciais de processos, os relatórios; um mar de papel que vai tomando conta de tudo, trepando pelas paredes, ocupando mesas, engrossando pastas. A aldeia de papel acaba por nos ocupar a casa.

Deitei-me às seis da manhã, já o sol brilhava. Foram dezoito horas de arrumação, concatenação de séries documentais, indexação e ordenamento cronológico das duas mil páginas de notas realizadas ao longo de dois anos. Foram duzentos e trinta e quatro livros, trezentos e setenta e dois documentos de arquivo, oitenta imagens e quarenta mapas. O tema que aqui me trouxe - as relações entre o Sião e Portugal (1782-1939) - queimou-me a vista. Dizia-se à boca cheia que tudo estava esgotado, que a documentação sobre o assunto fora há muito localizada. Ora, em Ciências Humanas, como em qualquer outra, não há temas esgotados. Encontrei nestes últimos meses vinte vezes mais documentação que aquela a que me habituara nos tais textos obrigatórios. Em Lisboa, em Banguecoque, em Macau e Phnom Penh, milhares de páginas aguardavam quem as lesse, as interpretasse e voltasse a dar vida.
Sei que para muitos tudo isto é coisa pequena, pois a opinião é inimiga figadal do estudo, o improviso irreconciliável adversário do método. O trabalho científico parte de suposições e corrige-se empiricamente no processo de acareação de fontes. Agora que se aproxima o início da redacção do tal livrinho que prometo para 2011, um imprevisto: descobri mais umas centenas de documentos de arquivo onde menos eseprava: na arrecadação de uma Secretaria de Estado. Retomar o trabalho, rever as incongruências, comparar notas feitas. Os campos de papel a que me submeti pedem mais trabalho !

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