Nos últimos dias de Ayutthaya assistiu-se à dissolução por inteiro do corpo de uma sociedade. A capital de 300.000 habitantes entrou em colapso, incêndios que ninguém combateu comeram até às fundações templos, palácios e armazéns, houve saque generalizado das reservas de víveres , brutais matanças às mãos dos invasores birmaneses e muita gente fugindo em grupos para os bosques infestados de animais selvagens ou percorrendo os caminhos dominados por bandos de ladrões. O rei siamês foi abandonado pelo séquito nas imediações da sua capital e morreu de doença e desidratação. O exército desintegrou-se. Ao ocuparem as últimas bolsas de resistência, os birmaneses deram aos sobreviventes duas semanas para que se preparassem para evacuar a região e rumassem em direcção ao cativeiro na Birmânia. Os sobreviventes da missão francesa, dirigidos pelo bispo Mgr. Brigot, concentraram-se no campo português, já então completamente calcinado pelos birmaneses. Aos católicos juntaram-se outras comunidades - Mon, Peguanos, Vietnamitas católicos e Japoneses - tendo-lhes sido transmitida análoga ordem de evacuação. Os católicos luso-siameses fizeram saber aos birmaneses que recusavam submeter-se à autoridade do bispo francês e que tinham como líderes espirituais os padres portugueses Isidoro da Conceição e Bernardino Salema.
Os padres franceses juraram ali fidelidade aos novos senhores e aceitaram a ordem de evacuação e cativeiro. Esperava-os, porém, uma marcha da morte de oitocentos quilómetros por montanhas e alcantilados densamente arborizados. As colunas de prisioneiros foram avançando penosamente em direcção a Oeste, atormentados pela fome, pela sede e sempre agredidos pelos seus carcereiros. A via sacra durou seis meses e nela padeceram milhares. Ao chegarem a Tavoy, na costa do Mar de Andaman, tamanha era a fome que ocorreram casos de canibalismo. A coluna de Brigot só sobreviveu graças à ajuda caridosa recebida das missões católicas portuguesas em Tenasserim. Os adversários reconciliavam-se na hora da dor. Ao invés de aceitarem o infortúnio, partilhando-o com o seu rebanho, os padres franceses conseguiram transporte para Pondicherry - colónia francesa no sudeste indiano - e abandonaram à sua sorte aqueles que neles haviam confiado; em suma, uma excelente lição de abnegação e dedicação missionárias.
A coluna portuguesa iniciou marcha em direcção à Birmânia em Maio de 1767. A comunidade mantivera-se unida e mantinha a liderança, pelo que ao longo do trajecto foram discutindo a melhor forma de se furtarem à vigilância do batalhão birmanês que os acompanhava. Após três semanas, numa noite escura, os portugueses manietaram os guardas, mataram-nos e puseram-se em fuga. Ao ser informado desta rebelião, o comandante birmanês da região foi acometido de grande ira e deu ordens às tropas para que massacrassem todos os portugueses internados nas matas. Dois generais birmaneses, com numerosos efectivos, foram lançados no encalço dos fugitivos. Para os portugueses foram nove longos meses de marchas nocturnas e pausas diurnas. O inimigo rondava e o silêncio e a imobilidade constituiam a melhor máscara. Ao cair do sol, retomavam o caminho em direcção a leste. A morte foi reclamando vidas. Dos mil saídos de Ayutthaya, só sobreviveriam 300 quando, em Abril de 1768, andrajosos e famintos, chegaram à actual Banguecoque.
Os padres franceses juraram ali fidelidade aos novos senhores e aceitaram a ordem de evacuação e cativeiro. Esperava-os, porém, uma marcha da morte de oitocentos quilómetros por montanhas e alcantilados densamente arborizados. As colunas de prisioneiros foram avançando penosamente em direcção a Oeste, atormentados pela fome, pela sede e sempre agredidos pelos seus carcereiros. A via sacra durou seis meses e nela padeceram milhares. Ao chegarem a Tavoy, na costa do Mar de Andaman, tamanha era a fome que ocorreram casos de canibalismo. A coluna de Brigot só sobreviveu graças à ajuda caridosa recebida das missões católicas portuguesas em Tenasserim. Os adversários reconciliavam-se na hora da dor. Ao invés de aceitarem o infortúnio, partilhando-o com o seu rebanho, os padres franceses conseguiram transporte para Pondicherry - colónia francesa no sudeste indiano - e abandonaram à sua sorte aqueles que neles haviam confiado; em suma, uma excelente lição de abnegação e dedicação missionárias.
A coluna portuguesa iniciou marcha em direcção à Birmânia em Maio de 1767. A comunidade mantivera-se unida e mantinha a liderança, pelo que ao longo do trajecto foram discutindo a melhor forma de se furtarem à vigilância do batalhão birmanês que os acompanhava. Após três semanas, numa noite escura, os portugueses manietaram os guardas, mataram-nos e puseram-se em fuga. Ao ser informado desta rebelião, o comandante birmanês da região foi acometido de grande ira e deu ordens às tropas para que massacrassem todos os portugueses internados nas matas. Dois generais birmaneses, com numerosos efectivos, foram lançados no encalço dos fugitivos. Para os portugueses foram nove longos meses de marchas nocturnas e pausas diurnas. O inimigo rondava e o silêncio e a imobilidade constituiam a melhor máscara. Ao cair do sol, retomavam o caminho em direcção a leste. A morte foi reclamando vidas. Dos mil saídos de Ayutthaya, só sobreviveriam 300 quando, em Abril de 1768, andrajosos e famintos, chegaram à actual Banguecoque.
Depois, foram doze anos de campanhas militares no norte, no sul e leste. O Sião ia despertando e reapossando-se das regiões que se haviam furtado à sua autoridade após o colapso de Ayutthaya. Nessas batalhas sem fim, a comunidade luso-siamesa esteve sempre na dianteira e pagou pesado tributo à morte. Na correspondência dos missionários franceses evidencia-se este estado permanente de mobilização. Numa das cartas, o padre francês afirma que "em Thonburi só há mulheres e crianças, pois os homens [cristãos] estão permanentemente fora, entregues a missões de guerra longe de casa".
Esses Rebelos, Cruz, Martins, Soares, Silvas, Baptistas e Fernandes morreram um pouco por todo o Sião. Ao regressarem, os sobreviventes encontraram as suas famílias entregues a pobreza extrema mas, como lembra o insuspeito padre francês, sempre com o mesmo incorrigível orgulho português. "Uma jovem rapariga foi pedida em casamento por um rico mandarim (funcionário do Rei). Ao receber o convite, respondeu-lhe generosamente que a posição de cristã era superior à sua [do mandarim] e que ela não sacrificaria a sua qualidade a todas as riquezas do mundo e que mais facilmente se casaria com um pobre cristão que com um rei gentio". Dizimada e reduzida a 1/5 do seu efectivo inicial, esgotada pelas provações e isolada do mundo exterior, a comunidade não desertou, recusou-se servir o inimigo e manteve-se leal ao poder siamês. Carregando prestígio de cicatrizes e louros de vitória, seria ao longo dos próximos oitenta anos um dos mais vigorosos pilares do Sião pré-moderno. Pena que esta e outras histórias não tenham acolhimento nos manuais escolares portugueses.