sábado, 7 de março de 2009

Vamos à luta / มวยไทย


O grande défice demográfico do Sudeste-Asiático ditou o nascimento desta admirável prática guerreira, agora transformada em soberbo espectáculo. Posto que as guerras travadas entre os potentados da região contrariavam o objectivo que as animava - captura de pessoas, com vista ao povoamento e às obras públicas compulsivas que caracterizavam o "feudalismo" siamês - estabeleceu-se no século XV a prática destes torneios de força, resistência e agilidade. Quem ganhasse o torneio, ganhava a guerra. Depois, transformou-se em desporto - violento e sangrento - que não raro terminava com a morte de um dos contendores em plena arena. A abertura do Sião ao Ocidente, ditou o eclipse do muay thay durante décadas. Diziam as autoridades que contribuia para uma imagem bárbara do reino, que os estrangeiros viam em tal desporto a prova do primitivismo dos siameses. Desconheciam os governantes que os europeus desse tempo - como os de hoje - se compraziam com lutas de galos e cães, que a nobreza era exímia nas matanças cinegéticas e que em Portugal e Espanha o mais importante motivo de discussão pública eram as proezas de toureiros. O banimento foi levantado em 1937, em plena efeverscência nacionalista. O regime fascista, impressionado pelo modelo japonês - que tinha no Kendo a prova do carácter guerreiro dos filhos do Sol Nascente - restaurou a luta nacional e procurou internacionalizar a imagem de um povo guerreiro e indómito. E ficou. Hoje, o muay thay é praticado um pouco por todo o mundo e considerado um desporto que envolve milhões em apostas e pratocínios e é rampa de ascensão para muitos jovens oriundos da Tailândia aldeã, rural e profunda.

Hoje fui ao muay thay. Acompanhado por um corpo de músicos, o espectáclo é precedido pela a distribuição de volantes com o nome dos lutadores do dia. O homem que promove os lutadores veste-se com um espaventoso trajo carnavalesco onde se destacam - nas costas, no rosto, na fronte - as cores do país. Vai gabando os méritos e qualidades dos guerreiros, pedindo aplausos e entusiasmando o público.


Permitem-me o acesso à tenda em que os lutadores aguardam o momento para se lançarem na arena. Olhar duro, uma força física tremenda, calejada de pontapés e murros desde a mais tenra idade, fazem destes homens - e mulheres, pois o desporto também é praticado por mulheres - máquinas de destruição. Assisti há meses a um combate entre lutadores europeus e uns franzinos miúdos thais. É claro que a corpulência dos europeus acabou por morder o pó da derrota inapelável ante tais profissionais.


O combate é precedido por uma bela dança propiciatória em que os lutadores exibem a compleição e ganham os favores do público e dos deuses. São artistas, pois Ay quer dizer arte. Na escola que frequentaram durante duras anos, foram-lhes dadas tantas horas de meditação e dança como de luta. A dança cerimonial (ram mooeh) prolonga-se por cinco minutos ao som de tambores e flautas. Os lutadores agarram o cabelo com uma corda nodosa a que chamam mongkon, o que quer dizer dragão, mas esse dragão não é mais que uma naja, serpente venerada desdo os tempos de Anghkhor. Cria-se a magia e o gong assinala o início do despique. Cinco rounds de três minutos cada ditam o resultado da luta. Hoje ganhou o boxeur que fotografara minutos antes na antecâmara do ringue. Dei-lhe chók dii, o que quer dizer boa-sorte. À saída, suado e esmurrado, sorriu-me e fez o cumprimento thai.

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