quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Bangkok: catolicismo quer dizer Portugal


A catedral de Assunção, sede do arcebispado de Banguecoque, acolheu hoje milhares de católicos tailandeses para a celebração do Natal de Cristo. As paredes exteriores do grande edifício estavam cobertas com faixas com as cores verde-rubra, em declarada alusão à marcante influência de Portugal na implantação do cristianismo nestas paragens do mundo.
No interior, cercando a nave central, bandeiras de Portugal decoravam a magnífica catedral construída pelos padres franceses em inícios do século XX. Durante séculos, ser-se católico na Ásia era sinónimo de português. Portugal, mais que um Estado, era uma ideia de fraternidade entre os homens, um sentimento de unidade para além das fronteiras. Estes "portugueses" detinham importante lugar no Camboja, no Vietname, na actual Malásia, no Sião e na Birmânia, sendo-lhes atribuídas funções relevantes na administração, no exército e no comércio. Sendo súbditos de reis, eram "portugueses", com direito a foros de isenção e liberdades no quadro das monarquias budistas. Deixaram de ser considerados quando em Portugal, com a criação da cidadania (1820), se viram privados de declararem fidelidade a duas pátrias, a terra onde haviam nascido e o sentimento de pertencerem a uma comunidade de fé que tinha no Padroado da Índia o seu centro de irradiação.


Com as doze badaladas da meia noite e um intenso fogo de artifício que quase fazia saltar os vitrais, a entrada da Cruz Processional, precedida pelos turibulários, sineiros e círios encheu o templo de solenidade, enquanto o coro entoava o Gloria in excélsis Deo / Et in terra pax homínibus bonae voluntatis / Laudámus te benedícimus te adorámus te glorificámus te (...). Os orientais possuem apurado sentido da grandeza litúrgica. As muitas dezenas de rapazes avançaram em passo cadenciado enquanto a multidão benzia-se ou fazia o wáy tailandês (cumprimento similar à posição de oração). Como requer a cultura local, as expressões faciais não denunciam qualquer emoção, pois o controlo das paixões da alma é tido como uma conquista de si mesmo.

A entrada do Cardeal de Banguecoque, Michael Mitchai Kitbunchu, velho amigo de João Paulo II, aumentou a emoção. É um homem ainda vigoroso e ágil, no andar e no falar, não obstante os oitenta anos. Há um ano, em visita de cortesia à catedral, na companhia de um grande amigo meu, grande historiador da Ásia Portuguesa, Sua Eminência apareceu-nos de calções e sapatos de ténis, pois acabara de chegar, suado e felicíssimo, do jogging que diariamente exercita. Foi deveras estranho ver dois portugueses beijando o anel cardinalício ... a um cardeal em trajo de corrida ! Hoje ostentava os grandes paramentos das cerimónias festivas. Fala com desenvoltura e não deixou de referir o ano atribulado, mas depressa amenizou a multidão, fazendo-a rir, ao afirmar que só podia dar alguns presentes - bonecos para as crianças com menos de 5 anos - pois "Deus nunca dá tudo de cada vez. Esperem pelo próximo ano para ver se nessa altura Deus vos quer dar algo mais". Seguiu-se o beijo aos pés de Cristo Menino ao som de Sánctus pléni sunt caéli et terra glória tua (...). Foi uma noite de Natal diferente, longe da família, longe do bacalhau e do chiffon de chocolate, mas senti-me entre a minha gente, entre os "portugueses da Tailândia".A Igreja católica tailandesa não tem mais de meio milhão de fiéis, mas é activa, quase militante, possuindo orgãos de comunicação social, colégios, escolas técnicas e uma universidade. Desmultiplicando-se am acções no apoio às populações mais carenciadas, facto que muito tem contribuído para o grande respeito que lhe tributam as autoridades, parece ter um risonho futuro, que confirmei pela juventude dos muitos padres ordenados. Se o nosso MNE quer um aliado precioso na Tailândia, deve bater à porta da Igreja Católica. Ali, o nome de Portugal, mais que respeitado, é amado.