O tema mantém plena actualidade. Em 1885, a pretexto do fincapé birmanês na estrita observância da etiqueta existente na corte de Ava /Mandalay - que obrigava os visitantes a retirar os sapatos à entrada da sala do trono, bem como o de não se apresentarem perante o Rei de chapéu e exibindo armas - os britânicos encontraram um casus belli para declaração de guerra, invasão e anexação do que sobrara do outrora poderoso reino da Birmânia.
As razões invocadas, atiçadas e servindo o declarado interesse da câmara do comércio britânico em Rangun (a outrora capital da Birmânia, ocupada no decurso da segunda guerra anglo-birmanesa, em 1852), epitomizam o desprezo dos ocidentais por tradições consideradas "bárbaras", mas mostram a que ponto a actividade diplomática é bifronte. A campanha anti-birmanesa começou na imprensa londrina, espalhou-se pelos jornais em língua inglesa do Raj, ecoou na Câmara dos Comuns e serviu de lançamento de Randolph Churchill (pai de Winston) para uma brilhante como rápida carreira política.
As acusações feitas aos birmaneses incidiram inicialmente sobre a "criminosa natureza do despotismo birmanês", dos defeitos e crueldade de carácter do Rei Tibhaw - um "criminoso" que era, afinal, um homem de cultura absorvida ao longo de sete anos num templo budista - das práticas selvagens de eliminação de adversários, do carácter pérfido das suas consortes, do ambiente de orgia do harém real. Era, o que se pode chamar, atiçar a canalha londrina e criar atmosfera que permitisse uma guerra popular.
Depois, subitamente, saído do nada, surgiu nos escapartes uma obra de Archibald Colquhoun intitulada "Burma and the burmans: the best unopened market in the world", depressa um êxito editorial pedindo consecutivas reimpressões. Meses volvidos, novas revelações fantásticas sobre a aquisição de armas feitas pelois birmaneses aos franceses - que concorriam com os britânicos do Sudeste-Asiático na abertura de uma fronteira económica com a China - e que essas poderosas armas poderiam cobrar a vida a milhares de mancebos britânicos, caso surgisse uma guerra.
A verdade é que a Birmânia se estava a modernizar e industrializar, que o Estado se estava a adaptar ao regime europeu de tributação, que a fiscalização sobre a actividade ilegal de madeireiros e garimpeiros britânicos encontrava crescentes obstáculos e que as exportações de arroz britânico para Mandalay iam declinando na proporção do crescimento da produção agrícola birmanesa, em acelerada fase de industrialização. Os madeireinos e os garimpeiros pagaram a jornalistas, pagaram a príncipes birmaneses exilados em Calcutá para entrevistas insultuosas ao Rei Tibhaw, fizeram lóbi nos Comuns e cobriram o Vice-Rei da Índia de prendas e abaixo-assinados; em suma, nada de novo, pois já o lóbi do narcotráfico havia feito o mesmo quarenta anos antes para encontrar desculpas para desencadear a "abertura do mercado chinês", naquela que ficou conhecida como a Primeira Guerra do Ópio.
Quando o caldo emocional estava preparado, o Vice-Rei da Índia enviou um Ultimato absolutamente inaceitável aos governo birmanês, exigindo coisas tão absurdas - sabendo de antemão que seriam tidas como impraticáveis - como a de um pedido pessoal de desculpas do Rei birmanês aos enviados britânicos, desculpas que teriam de ser feitas a bordo de um navio inglês, a exigência que os britânicos não se submeteriam a qualquer "prática humilhante" (retirar os sapatos) e que o Rei birmanês deveria punir os funcionários que se habviam limitado a aplicar as leis do país no combate aos especuladores madeireiros e garimpeiros.
O Rei não aceitou, obviamente. Ao expirar o prazo do Ultimato, dez mil soldados britânicos entraram em território da Birmânia do Norte, varreram sem dificuldade as débeis defesas do país, ocuparam a capital e deram "dez minutos, nem mais um" ao Rei para que entrasse numa carroça de bois. O Rei seguiu para o exílio na Índia britânica, os tesouros do palácio foram pilhados pela soldadagem britânica - um dos grandes tesouros do Sudeste-Asiático - e os madeireiros e garimpeiros apossaram-se de terras e minas do território. Em suma, há sempre que encontrar uma "questão de sapatos" para lançar guerras justas ao serviço dos plutocratas.
Começo a compreender o terror que aos birmaneses inspira a intromissão dos ocidentais nos seus assuntos internos.
As acusações feitas aos birmaneses incidiram inicialmente sobre a "criminosa natureza do despotismo birmanês", dos defeitos e crueldade de carácter do Rei Tibhaw - um "criminoso" que era, afinal, um homem de cultura absorvida ao longo de sete anos num templo budista - das práticas selvagens de eliminação de adversários, do carácter pérfido das suas consortes, do ambiente de orgia do harém real. Era, o que se pode chamar, atiçar a canalha londrina e criar atmosfera que permitisse uma guerra popular.
Depois, subitamente, saído do nada, surgiu nos escapartes uma obra de Archibald Colquhoun intitulada "Burma and the burmans: the best unopened market in the world", depressa um êxito editorial pedindo consecutivas reimpressões. Meses volvidos, novas revelações fantásticas sobre a aquisição de armas feitas pelois birmaneses aos franceses - que concorriam com os britânicos do Sudeste-Asiático na abertura de uma fronteira económica com a China - e que essas poderosas armas poderiam cobrar a vida a milhares de mancebos britânicos, caso surgisse uma guerra.
A verdade é que a Birmânia se estava a modernizar e industrializar, que o Estado se estava a adaptar ao regime europeu de tributação, que a fiscalização sobre a actividade ilegal de madeireiros e garimpeiros britânicos encontrava crescentes obstáculos e que as exportações de arroz britânico para Mandalay iam declinando na proporção do crescimento da produção agrícola birmanesa, em acelerada fase de industrialização. Os madeireinos e os garimpeiros pagaram a jornalistas, pagaram a príncipes birmaneses exilados em Calcutá para entrevistas insultuosas ao Rei Tibhaw, fizeram lóbi nos Comuns e cobriram o Vice-Rei da Índia de prendas e abaixo-assinados; em suma, nada de novo, pois já o lóbi do narcotráfico havia feito o mesmo quarenta anos antes para encontrar desculpas para desencadear a "abertura do mercado chinês", naquela que ficou conhecida como a Primeira Guerra do Ópio.
Quando o caldo emocional estava preparado, o Vice-Rei da Índia enviou um Ultimato absolutamente inaceitável aos governo birmanês, exigindo coisas tão absurdas - sabendo de antemão que seriam tidas como impraticáveis - como a de um pedido pessoal de desculpas do Rei birmanês aos enviados britânicos, desculpas que teriam de ser feitas a bordo de um navio inglês, a exigência que os britânicos não se submeteriam a qualquer "prática humilhante" (retirar os sapatos) e que o Rei birmanês deveria punir os funcionários que se habviam limitado a aplicar as leis do país no combate aos especuladores madeireiros e garimpeiros.
O Rei não aceitou, obviamente. Ao expirar o prazo do Ultimato, dez mil soldados britânicos entraram em território da Birmânia do Norte, varreram sem dificuldade as débeis defesas do país, ocuparam a capital e deram "dez minutos, nem mais um" ao Rei para que entrasse numa carroça de bois. O Rei seguiu para o exílio na Índia britânica, os tesouros do palácio foram pilhados pela soldadagem britânica - um dos grandes tesouros do Sudeste-Asiático - e os madeireiros e garimpeiros apossaram-se de terras e minas do território. Em suma, há sempre que encontrar uma "questão de sapatos" para lançar guerras justas ao serviço dos plutocratas.
Começo a compreender o terror que aos birmaneses inspira a intromissão dos ocidentais nos seus assuntos internos.




Quando o aventureiro e explorador alemão Adolf Bastian esteve no Camboja na década de 1860, a comunidade católica era constituída quase integralmente por "portugueses". "Muitos dos cristãos são de ascendência portuguesa. O actual rei do Camboja [Norodom I] atribui parte da sua educação ao bispo católico [Monsenhor Michè]. (...) Os cristãos constituem a guarda de honra do Rei, que gosta de os observar enquanto fazem exercícios de fogo com artilharia pesada"(1).
Artilheiros, intérpretes, guardas reais e remadores das barcas do Rei, proximidade atestando a grande confiança que neles depositavam - no Sudeste-Asiático, os reis eram figuras semi-divinas que nem de soslaio podiam ser olhadas - a comunidade "portuguesa" prosperou durante séculos, deixando marcas profundas na vida da corte. A comunidade católica portuguesa não era, contudo, uma relíquia blindada na recordação de grandes dias, nem sobrevivera graças a matrimónios endogâmicos. Ainda no século XIX, portugueses continuavam a chegar à capital. O mais famoso destes recém-chegados foi Kol de Monteiro (1839-1908). Prosperou, ganhou os favores do Rei e foi conselheiro real. O seu filho, Pitou de Monteiro, foi conselheiro dos ministros da Justiça e da Educação e um neto seu, Kenthao de Monteiro, educado em França, foi vice-presidente da Assembleia Nacional, Ministro da Educação e diplomata de reconhecido mérito, tendo ocupado funções de embaixador do Camboja na Jugoslávia, Taiwan e Egipto e recebido as mais altas condecorações por serviços prestados, a mais relevante das quais a de Cavaleiro da Legião de Honra, atribuída por De Gaulle durante a visita oficial do presidente francês ao Camboja. Morreu nos EUA, em 2006.
Alimento a derradeira esperança que alguns destes outrora milhares tenham sobrevivido. Talvez a Igreja portuguesa, o MNE e alguma fundação se pudessem associar e enviar uma missão de estudo ao Camboja, pedir a colaboração do governo desse país e proporcionar a esses nossos irmãos a ajuda necessária à restauração da dignidade social e cultural perdidas. Seria uma grande obra de restauração da presença indirecta de Portugal num país que renasce de uma das maiores tragédias do século XX. Lembrando Frei Gaspar da Cruz e Diogo do Couto, que à Europa deram em primeira mão notícia das grandezas da civilização khmer, aqui fica o recado para quem o quiser receber.

Seguiu-se um ped-yang, pato assado à moda chinesa, com gengibre, nabo chinês e molho de soja.
Como a fome apertava, veio um koy-jo, um bolo de caranguejo frito, servido com vegetais e molho agridoce. Para terminar, uma sobremesa ligeira, sem açúcar: o tao-huy-yen, gelatina de soja verde coberta de pêssegos e ananás. O acompanhamento foi feito com chá verde frio. Feitas as contas, pagámos 440 Bath, ou seja, 10 Euro.




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